terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Manifesto - ROXY MUSIC


Lado A (East Side)
1 Manifesto (Ferry/Manzanera)   5:31
2 Trash (Ferry/Manzanera)   2:12   
3 Angel Eyes (Ferry/Mackay)   3:32      
4 Still Falls The Rain (Ferry/Manzanera)   4:12
5 Stronger Through The Years (Ferry)   6:12 
Lado B (West Side)
1 Ain't That So (Ferry)   5:39
2 My Little Girl (Ferry/Manzanera)   3:16
3 Dance Away (Ferry)   4:19
4 Cry, Cry, Cry (Ferry)   2:53
5 Spin Me Round (Ferry)   5:08   

Os britânicos Roxy Music regressavam às edições discográficas em 1979, quatro anos depois do último álbum de originais, "Siren" em 1975, e três anos depois da sua última digressão e de um álbum ao vivo que revia três anos de palco, "Viva" em 1976. "Manifesto" veio preencher a posição do sexto registo de originais da banda e assim preparar o fecho do ciclo de uma década em que a popularidade do género rock/pop seria novamente confrontada com profundas mudanças estéticas.   

Em "Manifesto" os Roxy Music começam por se mostrar inspirados com um East Side verdadeiramente engenhoso, enquanto o West Side se apresenta rendido ao charme e elegância de Bryan Ferry. O registo divide-se sob as duas denominações, sendo bem percetível que metade do álbum é assinado em parceria e a outra metade é exclusiva do carismático líder e vocalista Bryan Ferry. No entanto, "Manifesto" é um registo bem estruturado e cuidado que reflete a sua variedade musical como uma expressiva paleta de cores. 

A abertura do registo é servida como uma entrada calculada e algo experimentalista através da música homónima que dá o título ao álbum e que conduz ao impulso dos enérgicos singles "Trash" e "Angel Eyes". "Trash" revela-se como um legítimo herdeiro da sonoridade primordial dos Roxy Music enquanto "Angel Eyes" seria regravada para uma nova versão como single e seria ainda editada em 12" (extended dance mix), formato que então se começava a popularizar para utilização nos clubes de dança. Este será também o ponto em que os Roxy Music mais se aproximaram do domínio do movimento disco sound. "Still Falls The Rain" partilha ainda algum glamour com David Bowie e o exotismo de "Stronger Through The Years" encerra o East Side de forma enigmática.

O refrescante balanço de "Ain't That So" introduz o segundo lado do registo de forma convidativa e acessível, muito ao jeito de Bryan Ferry. "My Little Girl" é uma peça mais elaborada e colorida, com a curiosidade de apresentar arranjos à la Steely Dan. "Dance Away" foi o single mais bem sucedido desta edição e a música que melhor reflete o trabalho a solo de Bryan Ferry, facto que não será casual pois trata-se de uma música que Bryan Ferry tinha guardado para um dos seus álbuns anteriores mas que só ficou concluída por esta altura. "Cry, Cry, Cry" é Bryan Ferry a empurrar os Roxy Music em direção à música Soul e "Spin Me Round" é a antecessora de "Avalon" (Now the ballroom's empty vs Now the party's over), a expressiva solidão de uma balada tão emotiva e sensual.

"Manifesto" é um trabalho aberto a todos os estilos e revelador da criatividade musical com que os Roxy Music procuravam obter novas sonoridades. 

domingo, 12 de dezembro de 2021

The Bride Stripped Bare - BRYAN FERRY


Lado A
1 Sign Of The Times (Ferry)   2:28
2 Can't Let Go (Ferry)   5:14
3 Hold On (I'm Coming) (Hayes/Porter)   3:37
4 The Same Old Blues (J.J.Cale)   3:21
5 When She Walks In The Room (Ferry)   6:23   
Lado B
1 Take Me To The River (Green/Hodges)  4:29
2 What Goes On (Reed)   4:11
3 Carrickfergus (Traditional)   3:46
4 That's How Strong My Love Is (Jamison)   3:17
5 This Island Earth (Ferry)   5:06

Aproveitando o hiato de dois anos em que os Roxy Music decidiram cessar atividade, entre 1976 e 1978, Bryan Ferry deu seguimento à elegância da sua carreira a solo que já tinha sido iniciada em 1973 com "These Foolish Things", um trabalho preenchido na sua totalidade por versões de músicas de autores que o carismático líder dos Roxy Music admirava. A tendência de Bryan Ferry para gravar versões manteve-se ao longo da década de 70 mas foi adicionando, a pouco e pouco, algum trabalho original. O registo anterior, "In Your Mind" de 1977, já era totalmente composto por músicas originais de Bryan Ferry.

"The Bride Stripped Bare" foi editado em 1978 e ficou registado como o quinto álbum a solo de Bryan Ferry. Volta a ser um registo dominado por versões contando apenas com quatro originais de Bryan Ferry, que nunca escondeu o prazer que tem em interpretar músicas de outros autores. Os alicerces deste trabalho começaram a ser desenhados em Los Angeles, Califórnia, onde Bryan Ferry se encontrava a recuperar do desgaste da última digressão dos Roxy Music e da rutura da sua relação com a modelo Jerry Hall que lhe fugiu para os braços de ... Mick Jagger. O resultado transparece num trabalho bastante pessoal e emocional. 

É um registo carregado pela sobriedade da forte personalidade do frontman dos vistosos Roxy Music. Bryan Ferry entrega-se a uma interpretação calculada para uma "desmedida" seleção musical que vai desde a habitual predileção pela riqueza do repertório soul, aqui representado por "Hold On (I'm Coming)" e pela frescura de uma música mais recente como "Take Me To The River", original de Al Green que os Talking Heads também gravaram neste mesmo ano, o toque Memphis de "That's How Strong My Love Is", a visita ao sempre apetecível repertório blues/rock de J.J. Cale com "The Same Old Blues", a canção folk Irlandesa "Carrickfergus", até aos Velvet Underground de Lou Reed com "What Goes On". Uma fusão de vários estilos e ambientes unidos num álbum só, à semelhança do conceito que o pintor Marcel Duchamp usou para a sua obra artística "The Bride Stripped Bare" (1915-1923) e que dá o título a este registo.

A inebriante presença do charme e carisma com que Bryan Ferry envolve as suas músicas originais é o outro ponto forte do álbum. A destreza rock de "Sign Of The Times" introduz o registo de forma célere e curta concedendo depois espaço para o retrato tortuoso que Bryan Ferry fez da sua estadia em L.A. através de "Can't Let Go". "When She Walks In The Room" é uma peça emocional, com Bryan Ferry ao piano, e "This Island Earth" é um momento ímpar que carrega alguma da enigmática atmosfera que carateriza a sonoridade dos Roxy Music e "revela" o porquê dos Japan de David Sylvian, que editavam o seu primeiro álbum neste mesmo ano de 1978, serem comparados, com alguma regularidade, aos ... Roxy Music.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

The Big Gundown - JOHN ZORN plays the music of ENNIO MORRICONE


1 The Big Gundown (E. Morricone)   7:25
2 Peur Sur La Ville (E. Morricone)   4:16
3 Poverty (Once Upon A Time In America) (E. Morricone)   3:49
4 Milano Odea (E. Morricone)   3:02
5 Erotico (The Burglars) (E. Morricone)   4:26
6 Battle Of Algiers (E. Morricone)   3:50
7 Giu La Testa (Duck, You Sucker) (E. Morricone)   6:06
8 Metamorfosi (La Classe Operaia Va In Paradiso) (E. Morricone)   4:37
9 Tre Nel 5000 (J. Zorn)   4:37
10 Once Upon A Time In The West (E. Morricone)   8:33
     Bonus Tracks
11 The Sicilian Clan (E. Morricone)   3:20
12 Macchie Solari (E. Morricone)   3:29
13 The Ballad Of Hank McCain (vocal) (E. Morricone)   5:27
14 Suegliatti E Uccidi (E. Morricone)   3:03
15 Chi Mai (E. Morricone)   3:06
16 The Ballad Of Hank McCain (instrumental) (E. Morricone)   5:25

John Zorn é um admirador confesso da obra musical do inolvidável compositor italiano Ennio Morricone, famoso pelas notáveis bandas sonoras que criou, desde os anos 60, para boa parte das produções cinematográficas italianas ... e não só. A arte e engenho de Ennio Morricone para criar obras musicais admiráveis foi uma das fontes de inspiração do então jovem compositor norte-americano John Zorn que cedo se apercebeu (e sentiu) da força emocional que as ilustres bandas sonoras do maestro italiano transmitiam para lá das imagens em celuloide.  

Ennio Morricone detinha a capacidade e mestria de combinar uma grande diversidade de elementos na elaboração das suas peças, fundindo classicismo com temas populares, recorrendo ao uso de instrumentos musicais invulgares e à organização de técnicas de composição pouco convencionais. Terreno fértil para o arrojado John Zorn, cuja caraterização pode ser praticamente descrita da mesma forma e que em 1984 se entregava a um projeto que tinha tanto de admiração e respeito como de audácia e coragem. The Big Gundown - John Zorn plays the music of Ennio Morricone seria oficialmente editado em 1986.

A participação de John Zorn neste álbum resume-se ao trabalho de direção e composição, limitando-se a aparecer pontualmente em algumas músicas, nas mais diversas situações. Zorn trabalha sobre as partituras originais de Ennio Morricone, atribuindo novas ideias e conceitos a estas peças através de um processo de desconstrução que de início pode parecer um ato de profanação mas que no final revela a genialidade criativa de John Zorn como compositor. Para garantir a identidade de cada peça, Zorn escolheu músicos da sua inteira confiança que faziam parte do circuito nova-iorquino do Lower East Side. Consta por aí que o título "Once Upon A Time In The East Village" chegou mesmo a ser sugerido para este registo. 

O processo de desconstrução que John Zorn aplicou neste trabalho é na realidade um processo de reconstrução em que as entranhas das composições originais de Ennio Morricone são completamente remexidas ao ponto de se tornarem, descaradamente, em novas composições de John Zorn. No entanto, o caráter original destas peças mantém-se reconhecível. Uma abordagem feita com todo o respeito e admiração, de uma criatividade ímpar e visionária, que o próprio Ennio Morricone reconheceu como incrível. 

A reter que de todo o alinhamento há apenas uma faixa que não pertence a Ennio Morricone; "Tre Nel 5000" é uma composição original de John Zorn que integra o registo como uma ramificação que Ennio Morricone pude-se ter escrito sem a inclusão dos seus elementos caraterísticos. Funciona também como um indicador da autoridade de Zorn para com este trabalho.

A edição aqui apresentada refere-se à re-edição comemorativa dos 15 anos deste álbum, em 2001, para a qual John Zorn gravou seis novas peças, que adicionou como faixas extra. 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Amigos Em Portugal - DURUTTI COLUMN


   Amigos Em Portugal
1 Amigos Em Portugal (V. Reilly)   3:58
2 Menina Ao Pé Duma Piscina (V. Reilly)   3:23
3 Lisboa (V. Reilly)   4:10
4 Sara E Tristana (V. Reilly)   2:56
5 Estoril À Noite (V. Reilly)   2:52
6 Vestido Amarrotado (V. Reilly)   3:48
   Dedications For Jacqueline
7 Wheels Turning (V. Reilly)   2:53
8 Lies Of Mercy (V. Reilly)   2:46
9 Saudade (V. Reilly)   2:28
10 Games Of Rhythm (V. Reilly)   2:07
11 Favourite Descending Intervals (V. Reilly)   4:50
12 To End With (V. Reilly)   1:23

O britânico Vini Reilly é uma figura tímida, frágil e delicada, que comunica afetuosamente através do encanto e genuinidade da sua música. São trabalhos maioritariamente instrumentais, à guitarra ou ao piano, em que a lúgubre sonoridade das suas composições é um impressionante reflexo da sua imagem. Por vezes solta também a macieza de um canto tímido mas o reconhecimento artístico de Vini Reilly assenta na candura da consciente sonoridade que retira da sua guitarra.

A ligação com Portugal nasce da amizade entre Miguel Esteves Cardoso e Vini Reilly desde os tempos iniciais do projeto The Durutti Column em Manchester, UK, onde o jovem estudante português se encontrava a lecionar em finais da década de 1970. Em 1982, inspirando-se na estética assumida pela mítica editora britânica Factory de Tony Wilson, com quem também mantinha uma boa amizade, Miguel Esteves Cardoso juntava-se com Pedro Ayres Magalhães e Ricardo Camacho para a criação da primeira editora portuguesa "independente", sob a denominação Fundação Atlântica (Companhia de Discos de Portugal).   

O projeto The Durutti Column cedo se tornou no projeto a solo de Vini Reilly e após a sua atuação no Festival de Vilar de Mouros, em 1982, terá surgido o convite da recente editora para a gravação de um single ou de um pequeno EP em Portugal. Em junho de 1983 Vini Reilly gravou sozinho nos estúdios da Valentim de Carvalho em Paço d'Arcos e no curto espaço de tempo disponível aproveitou o máximo de fita acabando por deixar um inesperado rasto de músicas irresistíveis. Em vez de um single, a Fundação Atlântica deparava-se com um álbum completo que logo se encarregou de editar.     

Amigos em Portugal é um trabalho de reconhecida amizade, sendo também um álbum de sensações e de esboços porque o que Vini Reilly gravou em Paço d'Arcos eram na realidade composições em que andava a trabalhar para edições futuras, terá sido essa a base para estas gravações. Depois o entusiasmo do estúdio levou-o um pouco mais além e as peças foram despontando, ora ao piano ora à guitarra. O registo é ordenado em doze músicas e apenas três são cantadas ("Vestido Amarrotado", "Wheels Turning" e "Lies Of Mercy"). O restante alinhamento é composto pela delicadeza de pequenas peças instrumentais que parecem flutuar num mar de estrelas.    

Tematicamente, o álbum é dividido por duas partes com um lado do vinil a apresentar os títulos das músicas em Português enquanto o lado contrário apresenta os títulos em Inglês. As músicas com títulos em Português aparentam ser dedicatórias aos "amigos de Portugal", a faixa "Sara e Tristana" é um claro tributo às filhas de Miguel Esteves Cardoso e não há palavra mais portuguesa do que "Saudade". Apesar do título "Vestido Amarrotado", esta música é cantada em Inglês. "Games Of Rhythm" e "Favourite Descending Intervals" soam como exercícios, "Menina Ao Pé Duma Piscina" e "Sara E Tristana" foram gravadas utilizando precisamente o mesmo padrão rítmico, retirado de uma caixa de ritmos, provavelmente com intenção de servir apenas de guia, o que reforça a intenção de Reilly estar a gravar demos.

A Fundação Atlântica encerrou a atividade em 1985 e este registo acabou por se tornar numa peça rara e curiosa.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Infinity - WORSHIP OF THE SENSES


1 A Spy Is In The House (N. Russo)   4:50
2 It's A Fire (J. Promis)   3:25   
3 Kitsch (N. Russo)   3:19
4 Netless (N. Russo)   3:20
5 Ghosts (N. Russo)   3:47   
6 Road Cage (N. Russo)   3:27   
7 Infinity (N. Russo/R. Calças)   6:06
8 Glitch (N. Russo)   4:31   
9 Suspicion (N. Russo)   5:22
10 Talking Loud And Clear (M. Cooper/OMD)   3:30
11 The Zabriskie Point (N. Russo)   6:21   
12 I Live Inside A Cardboard Box (N. Russo)   3:36      

Com origem em terras de Leiria, Portugal, o projeto Worship Of The Senses é atualmente fruto da mente criativa de Nuno Russo, o único elemento permanente, que assume a voz e todo o trabalho de composição, recorrendo depois ao préstimo de alguns músicos convidados para dar cor e vida à sua obra. Um percurso iniciado em 2006 que, à semelhança de muitas outras bandas nacionais, tem sido percorrido pacientemente através do árduo caminho de um mercado pequeno e sem apoios em que as edições de autor são a única forma de mostrar algo e mantêm viva a esperança de que algum dia possam chegar às mãos certas para uma boa divulgação e quem sabe alcançar a notoriedade de algum reconhecimento.
 
Editado nos inícios de 2021, Infinity começou a ser gravado em meados de 2019 mas a pandemia causada pela propagação do novo coronavírus SARS-COV-2 veio atrasar o lançamento do que viria a ser o segundo álbum de originais para os Worship Of The Senses. No entanto, este entrave acabou por permitir uma revisão mais atenta de alguns pormenores de produção do registo. Trata-se de uma edição de autor e não denuncia qualquer relação com o ainda atual estado de pandemia.

Nuno Russo aposta na língua inglesa para o seu trabalho de escrita e garante a universalidade de uma estrutura pop/rock que se vai diversificando na abordagem de estilos e ajuda a criar um registo versátil. A falta de um fio condutor no alinhamento pode suscitar algum desnorte inicial mas o registo completa-se pelas boas ideias e por momentos muito bem conseguidos tanto a nível de execução como de produção. O single de apresentação, "Kitsch", tem selo de hit e num outro campeonato poderia facilmente competir por um lugar no top. "Infinity" exprime-se como uma balada imponente e como evidente herdeira da grandiosidade estética do melhor estilo da euro-pop; fruto de uma parceria entre Nuno Russo e Rui Calças, que para além dos teclados assume a gravação e a produção do registo. Estes são realmente os pontos fortes do álbum mas há mais por onde pegar, no bom sentido. 

Sem ser excessivamente rock nem demasiado comercial, é na vertente pop que o álbum obtém resultados mais convincentes mercê da serenidade da boa prestação vocal de Nuno Russo que pode não evidenciar grandes atributos vocais mas mostra ter um bom domínio de voz. Uma prestação calculada, mesmo nas músicas mais aguerridas, recorrendo apenas à participação de Samuel Pedrosa para uma expressiva prestação vocal em "Ghosts", como músico convidado. Não será alheio o facto de que a produção de Rui Calças terá também alguma influência na abordagem mais pop do registo.

O contraste dos estilos é evidente ao longo do álbum sentido-se logo de início através da fusão das guitarras de "A Spy Is In The House" com a ordenada ligeireza vocal de Nuno Russo, facto que se volta a repetir na dissimulação pop de "Suspicion" também camuflada pelas guitarras rock e ainda interpelada por uma curta sequência reggae, que resulta noutro dos momentos mais bem conseguidos do registo. Pelo meio fica a instabilidade de "Glitsch", que "nem é carne nem é peixe". A intensidade do rock sente-se em "Ghosts" e "The Zabriskie Point", mostrando uma outra faceta do registo, onde ainda se podem incluir "Netless" e "Road Cage" que apresentam uma sonoridade mais fechada e manifestamente mais crua por pertencerem a uma sessão de gravação diferente.

A ter em conta a inclusão de duas versões bem conseguidas; "It's A Fire" ultrapassa claramente o original de Jose Promis enquanto que a abordagem de "Talking Loud And Clear" respeita o original dos britânicos Orchestral Manoeuvres In The Dark e imprime uma nova dinâmica para esta música.

O registo encerra com a descontração e simpatia de "I Live Inside A Cardboard Box".

Infinity merece uma audição atenta e pode ser adquirido em formato cd através do site oficial da banda (https://worshipofthesenses.com/pt/) aparecendo também disponível para audição em várias plataformas digitais:

https://worshipofthesenses.bandcamp.com/releases

https://open.spotify.com/album/6Uieek2VYAPKs0qnMkYMsG

https://audiobox.pt/artists/worship-of-the-senses/

terça-feira, 26 de outubro de 2021

New Sensations - LOU REED


Lado A
1 I Love You, Suzanne (L. Reed)   3:15
2 Endlessly Jealous (L. Reed)   3:55
3 My Red Joystick (L. Reed)   3:36
4 Turn To Me (L. Reed)   4:21
5 New Sensations (L. Reed)   5:45
Lado B
1 Doin' The Things That We Want To (L. Reed)   3:54
2 What Becomes A Legend Most (L. Reed)   3:35
3 Fly Into The Sun (L. Reed)   3:04
4 My Friend George (L. Reed)   3:54
5 High In The City (L. Reed)   3:25
6 Down At The Arcade (L. Reed)   3:40

A excessividade com que os anos 70 foram vividos por muitos dos grandes artistas rock, e não só, largou esta geração, legítima herdeira das revoluções que varreram o final da década de 60, nuns anos 80 totalmente remodelados. O confronto dava-se agora com uma nova época em que tudo mudou novamente, desde a forma de fazer e ouvir música, à maneira de viver e de pensar, num mundo em constante mudança e cada vez mais informado e mais acelerado.

À semelhança de outros artistas na mesma posição, Lou Reed entrou na década 80 um tanto ou quanto alheio, à procura do seu lugar, mas acabou por perceber que bastava apenas continuar a ser ele próprio porque quando se compra um disco de Lou Reed apenas se pode esperar que seja simplesmente um disco de ... Lou Reed. E há que ter em conta que, seja em que altura for, a voz, o estilo e a forma de tocar de Lou Reed é sempre inconfundível. 

Lou Reed era agora uma "estrela" acomodada que já não habitava nas ruas perigosas de Nova Iorque. Blairstown, New Jersey, era a sua nova morada, onde vivia literalmente numa cabana de uma fazenda onde tinha tempo para se dedicar a outras atividades e a outros vícios. Uma vida renovada, feita de novas sensações, que Lou Reed descreve precisamente em "New Sensations" através de uma prazerosa volta de mota pelas redondezas e o vício dos jogos de video sugerido em "My Red Joystick" e "Down At The Arcade".

Editado em 1984, New Sensations é o terceiro trabalho do que se pode considerar como uma nova fase na carreira de Lou Reed cujo reinício se terá dado com "The Blue Mask" em 1982. O apoio do guitarrista Robert Quine foi fundamental para o arranque deste novo ciclo mas nas vésperas de se iniciarem as gravações de New Sensations, Lou Reed volta a sentir a confiança suficiente para controlar sozinho todo o seu trabalho, desde a produção às guitarras, e em cima da hora dispensou a participação de Quine. 

Longe dos seus tempos de "animal", Lou Reed aproximava-se então de um caminho mais comercial, e por isso mais acessível, mas as canções mantêm o seu cunho. Composições diretas, sem grandes arranjos ou experimentalismo, a estrutura deste trabalho assenta essencialmente nos acordes da guitarra de Lou Reed, apoiado pela admirável prestação do baixista Fernando Saunders, pela pontual harmonia das teclas de Peter Wood e pela confiança do coro que assegura as segundas vozes.

O balanço rock'n roll de "I Love You, Suzanne" foi a principal amostra do álbum, através da forte exposição do seu videoclip na MTV, sucedendo-se o sucesso de um segundo vídeo para "My Red Joystick", ou os anos 80 a funcionarem no seu esplendor visual. A maquinal "New Sensations" destaca-se pela simpatia da harmonia enquanto que "What Becomes A Legend Most" e "High In The City" mostram abordagens diferentes em relação às restantes músicas.

domingo, 10 de outubro de 2021

Border Affair - LEE CLAYTON


Lado A
1 Silver Stallion (L. Clayton)   4:48
2 If You Can Touch Her At All (L. Clayton)   4:35
3 Back Home In Tennessee (L. Clayton)   4:33
4 Border Affair (L. Clayton)   3:47
5 Old Number Nine (L. Clayton)   3:07
Lado B
1 Like A Diamond (L. Clayton)   4:36
2 My Woman My Love (L. Clayton)   5:02 
3 Tequila Is Addictive (L. Clayton)   4:32   
4 My True Love (L. Clayton)   4:36
5 Rainbow In The Sky (L. Clayton/P. Donnelly)   3:33

Um dos cowboys menos conhecidos do grande público, Lee Clayton é uma daquelas personagens solitárias que atravessam o deserto sem preocupações, seguindo apenas o seu caminho. No entanto, Lee Clayton não se livra do facto de que a sua música "Ladies Love Outlaws" seja responsável pelo cunho da denominação Outlaw que deu nome ao movimento dos músicos country que então rompiam radicalmente com a tradição do estilo a meio da década de 70. A música foi gravada por Waylon Jennings em 1972, para o álbum do mesmo nome.   

A simplicidade de Lee Clayton conduziu-o através de uma carreira tímida, honesta e sincera, sem grande pretensão artística que não fosse escrever e tocar a sua música. Após a edição de um discreto primeiro álbum em 1973, Lee Clayton refugiou-se no deserto de Joshua Tree, Califórnia, o qual serviria de referência para o título do álbum que os irlandeses U2 editaram em 1987; o que não deixa de ser curioso porque Lee Clayton já foi várias vezes referenciado pelo vocalista Bono como uma das suas influências. 

Longe de tudo, Clayton dedicou-se a escrever canções para nomes como Waylon Jennings, Tom Rush, Jerry Jeff Walker ou Willie Nelson, até que em 1977 decidiu regressar a casa e, inclusive, assinar contrato com a Capitol para a edição dos seus trabalhos. Editado em 1978, Border Affair foi o primeiro de três álbuns que marcaram o período mais produtivo da curta carreira discográfica do norte-americano Lee Clayton.

Border Affair é um registo manifestamente country-rock, cujo alinhamento é complementado pela genuinidade de canções modestas e pela prestação de uma banda capaz de transmitir a naturalidade que emana da escrita de Lee Clayton, que para além de ser o autor de todas as músicas que compõem o registo assume-se como vocalista, guitarrista ritmo e ainda se presta à harmónica. A seu lado assinala-se a distinta importância da presença de um guitarrista de alto calibre como Philip Donnelly, de origem irlandesa. Donnelly é fundamental no resultado final deste álbum pela precisão cirúrgica das suas intervenções eletrizantes que rasgam o álbum de forma ordenada e bem medida. Partilha também a co-autoria de "Rainbow In The Sky" com Lee Clayton. 

A curiosa aparição de uma pequena secção de sopros, composta apenas por um trompete e um saxofone, logo nas duas primeiras músicas, começa por dar um brilho interessante ao registo, "If You Can Touch Her At All" até soa como uma bonita melodia country-mariachimas é o vincado western de "Back Home In Tennessee" que mostra realmente onde se está. Em "Old Number Nine" Clayton cria um peculiar momento nashville com uma canção sobre um avião, provavelmente o seu, pois Clayton fez três anos de carreira de piloto de aviação na força aérea norte-americana nos anos 60. "Like A Diamond" é uma das músicas mais completas, quase rock, e o vício é um tema recorrente nas suas músicas, aqui patente em "Tequilla Is Addictive". Outra particularidade recorrente nas composições de Lee Clayton é uma verdadeira sensibilidade baladeira que aqui se pode encontrar em momentos como, "If You Can Touch Her At All", "Border Affair", "My Woman My Love" e "My True Love".

Quando alguém se cruza no caminho de Lee Clayton, dificilmente escapa ao encanto natural da sua espontaneidade. 

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Fleetwood Mac - FLEETWOOD MAC


Lado A
1 Monday Morning (L. Buckingham)   2:48
2 Warm Ways (McVie)   3:50
3 Blue Letter (M. & R. Curtis)   2:31
4 Rhiannon (S. Nicks)   4:12
5 Over My Head (McVie)   3:34
6 Crystal (S. Nicks)   5:12   
Lado B
1 Say You Love Me (McVie)   4:11
2 Landslide (S. Nicks)   3:05
3 World Turning (McVie & L. Buckingham)   4:25   
4 Sugar Daddy (McVie)   4:09
5 I'm So Afraid (L. Buckingham)   4:15 

Até 1975, o ano de edição para um segundo álbum homónimo, a história dos britânicos Fleetwood Mac passa por diversas fases cujo desenlace se estende por variados capítulos, fortemente marcados pela instabilidade em conseguir manter os elementos da formação. Neste mesmo ano, apenas a sua secção rítmica, composta por Mick Fleetwood e John McVie, os únicos membros da formação original e cujos apelidos dão o nome à formação, permanecia fielmente no seu posto. A pianista e compositora Christine McVie mantinha a sua atividade com a banda desde 1970 e a formação passava agora a contar com os valiosos préstimos de uma dupla norte-americana composta pelo talentoso guitarrista Lindsey Buckingham e pela sua vistosa companheira e vocalista Stevie Nicks, com ambos a assumir ainda a sua veia de autores.  

O álbum marca o arranque de uma nova fase e iria dar início ao período de maior estabilidade e sucesso para os Fleetwood Mac. Os blues da fase inicial dão agora lugar a canções inteligentes e bem estruturadas, com a capacidade de funcionar eficazmente dentro da panorâmica pop/rock que viria a tornar o som da banda mais diversificado e acessível, e cuja qualidade viria a caraterizar definitivamente a sonoridade dos Fleetwood Mac.

A mais-valia de incluir três músicos na formação que contribuem com trabalho de composição gera variedade de estilos e alguma diversidade musical, levando aqui à criação de uma sonoridade pop/rock amadurecida que se deixa envolver calorosamente pela mágica ambiência da música folk e do country. 

Christine McVie é quem mais contribui para a sonoridade deste registo através da doçura de momentos singelos como "Warm Ways" e "Over My Head", a segurança de "Say You Love Me" e "Sugar Daddy", e uma parceria mais aguerrida, com Buckingham, em "World Turning". 
Stevie Nicks assume a postura folk do álbum e contribui com a serenidade de três músicas reveladoras, com destaque para a emblemática "Rhiannon". A fragilidade da interpretação de "Crystal" foi entregue a Buckingham, Stevie Nicks faz segunda voz, enquanto a intimidade acústica de "Landslide" apenas podia pertencer à própria Stevie Nicks, acompanhada por Buckingham nas guitarras. 
A agilidade e a postura de Lindsey Buckingham define a vertente rock/country da banda, aqui manifesta pelas duas composições desembaraçadas que abrem e fecham o registo e na sua forte presença como vocalista e guitarrista. "Monday Morning" é uma espécie de saudação enquanto a intensidade de "I'm So Afraid" fecha o álbum de forma grave e intrigante. 
A cumplicidade da secção rítmica, constituída pelos dois membros mais antigos da banda, imprime segurança e respeito, conduzindo o balanço que define o andamento da formação e tanto carateriza o seu estilo. 

Apesar da clarividência da diferença de estilos e ideias, é notável como a sonoridade da formação resulta unida e coerente. Apenas uma verdadeira combinação de atributos permite tal conjunção. No entanto, o álbum regista uma dinâmica irregular que não prejudica mas cria alguma instabilidade rítmica na sua audição. 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Aula Magna 1983 - TROVANTE - CD02


1 Lisboa (E. de Andrade/Trovante)   3:09   
2 Linha Das Fronteiras (S. Godinho/M. Faria/J. Gil)   5:02   
3 Mulata (M. Faria)   11:29
4 Molinera (Tradicional de Rio de Onor - Jorge Dias/J. Gil (Música incidental: Woman of Ireland))   4:31
5 Garraiada (J. Gil/A. José Martins)   4:11   
6 Saudade (J. Gil)   5:59      
7 N'vula (F. Mukenga)   4:16
8 Namoro (V. da Cruz/Fausto)   5:13   
9 O Barco Vai De Saída (Fausto)   3:04
10 Prima Da Chula (Quadras Populares e A. Aleixo/Trovante)   3:46 
11 Não Há Três Sem Dois (F. Viana/Trovante)   2:41    
12 Uns Vão Bem Outros Mal (Fausto)   4:41   
 
Após o intervalo, os Trovante regressam ao palco mais confiantes e decididos, prontos a dar continuidade à festa. A primeira parte do concerto focou-se essencialmente na apresentação do álbum "Cais das Colinas" enquanto que a segunda parte estava reservada para alguns inéditos, algumas recordações e para as músicas-chave. A fusão entre a música tradicional e o jazz, já evidenciada em boa parte das músicas novas, ganha ainda mais enfâse nos arranjos das peças instrumentais mas o concerto, ainda assim, vive muito do tradicionalismo original e pela reação geral seria isso mesmo que este público queria ainda ouvir.

O regresso ao palco dá-se de forma tranquila com "Lisboa" seguida de "Linha Das Fronteiras", uma espécie de momento de adaptação pós-intervalo para se entrar então numa sequência de três peças, dois instrumentais intercalados por uma melodia transmontana, cuja viagem passa por África, Irlanda e, obviamente, Portugal. 

"Mulata" pertence ao alinhamento de "Cais das Colinas" e ao vivo presta-se como um momento de improvisação que aqui se estende por onze minutos através dos solos de Manuel Faria no piano, José Martins e José Salgueiro na percussão e bateria respetivamente e conclui com solo de saxofone de Artur Costa. De seguida, a banda tem a ousadia de tocar duas músicas novas, desconhecidas ainda do público, que apenas viriam a ser gravadas no ano seguinte para o álbum "84". "Molinera" é uma peça de influência celta combinada com uma canção popular de Rio de Onor, em Trás-os-Montes, já apresentada no esplendor da sua estrutura, enquanto "Garraiada", que tem como base o Fandango, não passava ainda de uma versão-embrião e acaba por soar um pouco deslocada da festa. 

Após esta sequência peculiar; a ovação recebida logo que Luís Represas canta a primeira frase de "Saudade" revela ser este um dos momentos mais esperados da noite e a partir daqui entra-se numa sequência de interpretações de músicas de autor com início em "N'vula" de Filipe Mukenga (de novo a sonoridade de África), seguida de duas músicas de Fausto; "Namoro", que alguns anos depois viria a servir de base a "Namoro II" no álbum "Sepes" dos Trovante, e a referência popular que é "O Barco Vai De Saída". O concerto finaliza em festa com "A Prima Da Chula" mas sucedem-se os encores e houve ainda tempo para recuperar o "velho" single "Não Há Três Sem Dois" e fechar de vez com "Uns Vão Bem Outros Mal", Fausto novamente, que encerra uma noite de antologia para a nova música popular portuguesa.    

Editado apenas vinte anos depois, o registo apresenta uma boa gravação, de qualidade límpida, que testemunha uma noite de reconhecimento de uma banda que há sete anos que aguardava por esta consagração. Este concerto representou um momento importante no percurso dos Trovante pois permitiu que o coletivo ganha-se confiança no seu trabalho e indicou o caminho a seguir. Seguir-se-iam os Coliseus no ano seguinte e a conquista de um almejado lugar de destaque no panorama da música portuguesa. O resto é história.

Na ficha técnica da edição está incluída a seguinte indicação; "Por questões inerentes à gravação não foi possível salvar o tema "Balada das Sete Saias"", uma das músicas icónicas dos Trovante. Manuel Faria, na sua biografia "Trovante, Por Detrás do Palco", descreve este momento assim "...as Sete Saias, o público canta mais alto que o Luís. De vez em quando, este já nem canta." 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Aula Magna 1983 - TROVANTE - CD01


1 Lua de Março (C. Tê/J. Gil)   5:32      
2 Pedra no Charco (L. Represas/J. Gil/M. Faria)   3:51   
3 Ribeirinho (F. Pessoa/J. Gil/J. Martins)   3:11   
4 Ibérica (J. Gil)   6:00   
5 Oração (J. Monge/J. Gil/M. Faria/L. Represas)   4:30      
6 Outra Margem (Maria R. Colaço/Trovante)   2:35    
7 Rio Largo de Profundis (J. Afonso)   2:11   
8 Caramba (S. Godinho)   3:17   
9 Comboio (L. Represas/J. Gil/M. Faria)   4:17

A 28 de Maio de 1983 os portugueses Trovante enfrentavam uma 'prova de fogo' em Lisboa. Há dois anos que o coletivo não tocava ao vivo na capital portuguesa e iriam então apresentar-se perante uma Aula Magna completamente esgotada, que os aguardava com carinho e expetativa. Na bagagem, os Trovante levavam o seu novo trabalho 'Cais Das Colinas' e um belo naipe de músicas de autores que admiravam.

Os Trovante viriam a terminar oficialmente em 1991, sem que a gravação dessa noite memorável na Aula Magna fosse editada em formato discográfico. Vinte anos depois, em 2003, reencontraram-se as fitas e as capas e logo se procedeu à mistura daquele que foi o concerto de consagração da banda perante o público lisboeta. A edição seria feita nesse mesmo ano, apenas em formato de cd duplo.

É interessante perceber como os Trovante se foram "afastando", aos poucos, da música mais tradicional e começaram a integrar elementos de outros géneros, nomeadamente pop e jazz. Uma fusão benéfica e esclarecedora que abria novas portas ao coletivo e incentivou a sua evolução musical. Apesar da abertura musical, já evidenciada no álbum 'Cais Das Colinas', o concerto da Aula Magna esperava uma banda ainda agregada ao seu passado mais tradicional. 

A segurança com que Luís Represas inicia a sua prestação em "Lua de Março", após uma breve introdução instrumental, transmite confiança e prenuncia uma boa atuação, que no final se confirma vitoriosa através da entusiasmante prestação da audiência, que terminou a noite em cima do palco. A serenidade de "Pedra No Charco", complementada pelos cuidados arranjos musicais, cria espaço para um momento de fusão mais popular com "Ribeirinho", que por sua vez conduz ao instrumental "Ibérica". 

"Oração" é uma peça mais séria, que Luís Represas apresenta com cuidado e respeito, uma prece de ambiente pesado e sentido. Com "Outra Margem" a banda sai pela primeira vez do alinhamento de "Cais Das Colinas", seguindo-se a interpretação de duas versões, da autoria de José Afonso e Sérgio Godinho respetivamente, que têm a capacidade de elevar o entusiasmo da sala e arrancar a primeira participação da audiência, com acompanhamento em palmas. Antes de partir para um pequeno intervalo, há ainda tempo para embarcar na complexidade rítmica de "Comboio", finalizando também o primeiro cd da edição, que inclui toda a primeira parte do concerto. 

domingo, 29 de agosto de 2021

Birds Of Fire - MAHAVISHNU ORCHESTRA


1 Birds Of Fire (J. McLaughlin)   5:43
2 Miles Beyond (J. McLaughlin)   4:40
3 Celestial Terrestrial Commuters (J. McLaughlin)   2:55
4 Sapphire Bullets Of Pure Love (J. McLaughlin)   0:21
5 Thousand Island Park (J. McLaughlin)   3:20
6 Hope (J. McLaughlin)   1:55
7 One Word (J. McLaughlin)   9:55
8 Sanctuary (J. McLaughlin)   5:02
9 Open Country Joe (J. McLaughlin)   3:53
10 Resolution (J. McLaughlin)   2:09

A primeira formação da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin transmitia uma carga de energia tão intensa que havia dificuldade em catalogá-la como rock ou como jazz. Era uma sonoridade tão exótica e tão saturada que por vezes encontrava o equilíbrio certo através das sequências mais dinâmicas, cuja complexidade e os pontuais momentos de improvisação logo empurram para o jazz
Eram ainda os primeiros anos da música de fusão, que entretanto alcançava um estatuto semelhante ao rock pela sua proximidade de estilo/força e onde angariava a sua energia e rebeldia que seria depois expandida através do virtuosismo e da experiência dos seus elementos como músicos de jazz.

Birds Of Fire foi editado em 1973 como o segundo registo oficial deste coletivo ainda composto pela formação original. A liderança do guitarrista britânico John McLaughlin serviu sempre a imagem do grupo, tendo aqui ao seu lado o violinista Jerry Goodman, o teclista Jan Hammer, que aqui gravava pela primeira vez com um sintetizador (neste caso um mini-moog), o baixista Rick Laird e o baterista Billy Cobham, que gravava pela primeira vez com bombo duplo. Com execeção para Jerry Goodman, toda a banda tinha já algum historial em formações de jazz.

Uma poderosa demonstração de virtuosismo e de destreza, o álbum sustenta-se ncapacidade de leitura de um coletivo bem oleado e já preparado para o "confronto" em solos desmedidos. A estabilidade do registo está assegurada pela qualidade técnica dos seus elementos e é desta forma que o alinhamento se dispõe em momentos excitantes como "Birds Of Fire", "Celestial Terrestrial Commuters" ou a notável "One Word", e por vezes se contém em peças como a sobriedade acústica de "Thousand Island Park" ou a espiritualidade de "Sanctuary"

Depois há momentos distintos como "Miles Beyond", um tributo a Miles Davis que tem como base "Mademoiselle Mabry (Miss Mabry)", original de Miles Davis, que por sua vez assentava na base de "The Wind Cries Mary", original de Jimi Hendrix. "Thousand Island Park" destaca-se pela elegância de ser a única peça acústica do álbum, um momento de sobriedade para um trabalho tão irrequieto, cuja execução é feita em formato de trio (guitarra, piano e baixo). "Open Country Joe" começa como um momento descontraído que McLaughlin logo se encarrega de complicar, uma peça que navega algures entre a naturalidade do country/rock e a complexidade da fusão. "One Word" é a peça mais extensa do registo e manifesta-se como um diálogo de virtuosismo entre músicos e instrumentos. Um momento em que todos brilham individualmente mas é de facto a organização do diálogo pergunta/resposta, a meio da peça, que mais se destaca. 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Bye Bye Blues - THE BLUES BAND (Live)


Lado A
1 Come On In (Stonebridge/McGuiness/Jones)   2:05
2 Hey, Hey, Little Girl (Stonebridge/McGuiness)   1:55
3 Death Letter (S. House)   4:05
4 Grits Ain't Groceries (T. Turner)   3:34
5 Flat Foot Sam (Wills/Lewis)   4:51
6 Don't You Lie To Me (C. Berry)   3:45
7 Can't Hold On (P. Jones)   5:09
Lado B
1 It Might As Well Be Me (Stonebridge/McGuiness)   3:58
2 Nadine (C. Berry)   4:22
3 Big Boss Man (Smith)   3:44
4 Maggie's Farm (B. Dylan)   7:14
5 Treat Her Right (R. Head)   5:44

Os The Blues Band nascem casualmente de um convite de Paul Jones (voz e harmónica) a Tom McGuiness (guitarrista). Ambos são ex-membros das formações iniciais da banda de Manfred Mann, a que se juntaram músicos com vasto historial de bandas desde 1962 até 1979. A contra-capa da edição em vinil deste álbum contêm uma árvore genealógica que explica os diversos cruzamentos das bandas envolvidas no percurso dos seis elementos, e outros que mais, que integraram a The Blues Band nesta primeira fase. O longo historial destes elementos permite perceber que as raízes da banda se estendem até às origens do rhythm and blues em solo britânico.

Formados em 1979 como uma banda part-time para preencher algumas datas, os britânicos The Blues Band acabaram por se tornar num caso sério. Nos três anos seguintes, viriam a gravar três álbuns de estúdio e a fazer cerca de seiscentas datas ao vivo, Portugal incluído, mas em cima do natal de 1982 encerravam a sua atividade com este registo ao vivo, como um alegre testemunho da sua despedida. A banda renasceu na segunda metade da década de 80 e tem-se mantido ativa até aos dias de hoje. 

Bye Bye Blues foi gravado ao vivo em dezembro de 1982 no clube londrino The Venue, que era, na altura, propriedade da Virgin Records. O registo retrata aquela que seria a última aparição da Blues Band após um curto período de existência que superou as expetativas da banda e das audiências. O repertório é rico em material de blues, rock 'n' roll clássico e alguns originais da Blues Band, sendo executado em ambiente de festa com participação de alguns músicos convidados, entre eles o pianista Ian Stewart, mais conhecido como o "sexto" Rolling Stone. 

A experiente formação da Blues Band era totalmente devota à alma e energia do blues/rock pelo que a sua entrega em palco é genuína e intensa. Paul Jones detém uma liderança exemplar pela sua postura, como voz principal e como um excelente tocador de harmónica. A fluidez das guitarras de Tom McGuiness e Dave Kelly é sedutora e cativante, e Kelly é um exímio utilizador do slide. A secção rítmica, Gary Fletcher no baixo e Rob Townsend na bateria, assegura o andamento de palco e complementa a excelência da formação. O saxofonista John "Irish" Earle e o trompetista Dick Hanson juntam-se à Blues Band nesta atuação, para participação em algumas músicas.

Apesar de ser um concerto de despedida vive-se um ambiente de festa. O que se pretendia era uma celebração, não só de uma banda mas de um estilo de música que se alimenta desta energia. O entusiasmo e a participação do público presente demonstra que assim foi.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

King Kong - JEAN-LUC PONTY (Plays the music of Frank Zappa)


Lado A
1 King Kong (F. Zappa)   4:54
2 Idiot Bastard Son (F. Zappa)   4:00
3 Twenty Small Cigars (F. Zappa)   5:35
4 How Would You Like To Have A Head Like That (Jean-Luc Ponty)   7:14
Lado B
1 Music For Electric Violin And Low Budget Orchestra (F. Zappa)   19:20
2 America Drinks And Goes Home (F. Zappa)   2:39

Em 1967, o jovem violinista francês Jean-Luc Ponty era um dos músicos convidados a participar na edição desse ano do festival Monterey Jazz, na califórnia. A atuação de Ponty causou grande sensação entre o público norte-americano, onde se encontrava o produtor Richard Bock que logo contratou Ponty para gravar para a sua editora World Pacific. Após algumas gravações e atuações com o pianista norte americano George Duke, Bock propôs um trabalho sob a supervisão de Frank Zappa. 

A abordagem a Frank Zappa foi feita na mesma altura em que este trabalhava ainda nas gravações de Hot Rats. Bock apresentou o trabalho que Ponty estava a gravar em solo norte-americano e entretanto o violinista francês já estava a gravar para uma das músicas de Hot Rats. Consequentemente, desenvolveu-se um interesse recíproco pelo trabalho de ambos os músicos e foi desta forma que Zappa aceitou trabalhar como compositor e arranjador do trabalho seguinte de Ponty.

Editado em 1970, King Kong é o resultado de uma parceria com tanto de invulgar como de genialidade. Um registo totalmente instrumental e desprovido de qualquer caráter comercial, tal como Zappa gostaria de descrever, King Kong, à semelhança do já referido Hot Rats, move-se nos terrenos do jazz de fusão que começava, por esta altura, a desenhar os seus contornos. O alinhamento do álbum é constítuido por cinco composições de Zappa, três delas já tinham sido utilizadas em alguns dos seus trabalhos anteriores, e uma peça original de Ponty, "How Would You Like To Have A Head Like That", em que Zappa tem uma pequena participação em guitarra elétrica, naquela que é a sua única aparição no registo como músico executante.

A peça central deste trabalho é a longa suite "Music For Electric Violin and Low Budget Orchestra", assim denominada, muito provavelmente, pelo facto de Zappa ter solicitado uma orquestra de 97 elementos mas a peça acabou por ser gravada por uma formação com apenas 11 elementos.  Nesta peça, dividida por duas partes, é possível encontrar elementos de jazz, rock e música contemporânea. 

A sobriedade de "Twenty Small Cigars" desmarca-se das restantes peças de Zappa pelo puro deleite da delicada prestação de Ponty e do saxofonista Ernie Watts, sempre apoiados pelo piano de George Duke. "King Kong", "Idiot Bastard Son" e "America Drinks And Goes Home" são as músicas que Zappa já tinha gravado anteriormente, nomeadamente com os Mothers Of Invention, e que aqui são revisitadas com novos arranjos, mantendo o perfil original.  

O violino foi sempre um instrumento mais associado com a música clássica. Os poucos exemplos da sua utilização no jazz não foram muito além do também francês Stéphane Grappelli, com Django Reinhardt, e Ray Nance, na orquestra de Duke Ellington. Ponty trouxe alguma frescura na recuperação da sonoridade das cordas de arco com a sua eletrificação e a música de fusão surgia como terreno propício para o seu desenvolvimento.   

Através destas sessões, Zappa descobriu a qualidade técnica do pianista George Duke que, juntamente com Ponty, viria a integrar as suas próximas formações.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Mingus Dynasty - CHARLES MINGUS AND HIS JAZZ GROUPS


1 Slop (C. Mingus)   6:14
2 Diane (C. Mingus)   7:28
3 Song With Orange (C. Mingus)   6:47
4 Gunslinging Bird (C. Mingus)   5:12
5 Things Ain't What They Used To Be (M. Ellington)   7:35
6 Far Wells, Mill Valley (C. Mingus)   6:11
7 Never Now Know How (C. Mingus)   4:12
8 Mood Indigo (I. Mills/B. Bigard/D. Ellington)   8:12
9 Put Me In That Dungeon (C. Mingus)   2:51
   Bónus Track
10 Strollin' (C. Mingus/G. Gordon)   4:33      

O contrabaixista e compositor norte americano Charles Mingus será sempre recordado como um dos gigantes do jazz, em todos os aspetos. A sua genialidade revelou-se pela forma inovadora como procurava romper com a composição mais clássica do jazz através das suas próprias composições. As suas peças fragmentavam-se em secções diferenciadas evidenciando uma forma de composição complexa e vanguardista, com reminiscências classicistas, em que incitava os seus músicos a desenvolver a sua individualidade evitando a imitação do estilo dos mestres.

"Mingus Dynasty" foi gravado em duas sessões, em novembro de 1959, e editado em 1960. As gravações foram feitas praticamente pelo mesmo ensemble, que sofre ligeiras alterações entre as duas sessões. O álbum inclui-se num dos períodos mais criativos de Charles Mingus e revela-se como uma peça de trabalho excitante e irrequieta, executado por uma banda estável e muito ativa que está sempre em constante "movimento". A introdução das peças dificilmente revela o tema e as mudanças de andamento sucedem-se criando momentos díspares mas muito bem enquadrados na sua estrutura original.

Com a exceção das peças "Things Ain't What They Used To Be" e "Mood Indigo", ambas são nobre legado do clã Ellington, o restante alinhamento é da total autoria de Charles Mingus. "Diane", assim renomeada em honra de Diane Dorr-Dorynek, então companheira de Mingus, demonstra alguma influência do período romântico que caraterizou a música europeia em finais do século XIX e inícios do século XX. A peça é introduzida por algum deste caráter classicista até entrar na sua bonita melodia e no detalhado solo de piano de Roland Hanna. A originalidade de "Far Wells, Mill Valley" é outro dos pontos fortes do registo pela irregularidade da sua estrutura. Em "Gunslinging Bird" encontra-se um momento ritmicamente excitante em que o baterista Dannie Richmond se evidencia por abalar, da melhor forma, a contextura da peça. 

Esta reedição em formato cd inclui cinco peças que na edição original aparecem em versões editadas e que aqui surgem nas versões não editadas, o que permite perceber o entusiasmo dos músicos nas sessões. Há também a inclusão de uma faixa extra, "Strollin", com participação vocal de Honey Gordon.    

domingo, 25 de julho de 2021

Compositions - ANITA BAKER

1 Talk To Me (A. Baker/M. Powell & V. Fails)   5:03
2 Perfect Love Affair (J. Davis & A. Baker)   5:14
3 Whatever It Takes (G. Levert/M. Gordon & A. Baker)   5:32
4 Soul Inspiration (T. Britten & G. Lyle)   5:17
5 Lonely (A. Baker)   4:29
6 No One To Blame (A. Baker & V. Fails)   4:39
7 More Than You Know (A. Baker/M. Powell & V. Fails)   4:48
8 Love You To The Letter (J. McBride)   7:17
9 Fairy Tales (A. Baker/V. Fails & M. Powell)   7:52

Editado em 1990, Compositions é o quarto álbum de estúdio para a cantora norte americana Anita Baker. A temática romântica continua a ser a base lírica das suas composições e mantém-se a linhagem R&B/Soul/Pop que carateriza os trabalhos anteriores assim como a habitual piscadela de olho ao jazz, aqui mais evidenciada pelos dois momentos "Lonely" e "Love You To The Letter".

À primeira abordagem percebe-se logo que este é um registo muito orgânico por ter sido gravado com uma banda permanente em que grande parte dos músicos já vem dos trabalhos anteriores. Apenas os bateristas vão rodando pelo que há menor rotação de nomes envolvidos nas sessões de gravação, o que leva a que haja um maior entrosamento e cumplicidade entre os músicos. Há mais detalhe musical e alguma liberdade de execução, bem notória nos já referidos momentos jazz e na contagiante firmeza de "Fairy Tales".   

O registo sobrevive tranquilamente no calor e na musicalidade das habituais baladas. As harmonias e os arranjos vocais são delirantes e as composições parecem mais calculadas. Anita Baker volta a oferecer uma prestação vocal irrepreensível sabendo ser calma e meditativa ou bastante expressiva quando necessário. "Whatever It Takes" é uma música tão natural, ponderada e paciente, em que se sente a respiração e profundidade do seu calculismo, sendo um bom exemplo de como este é um trabalho bem cuidado. Depois há momentos incontornáveis como a reluzente vivacidade de "Soul Inspiration" e um fecho impecável com a significativa jam de "Fairy Tales". A presença da guitarra clássica de Earl Klugh em "More Than You Know" sublinha o caráter smooth desta música e "No One To Blame" representa outro momento adorável.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Giving You The Best That I Got - ANITA BAKER


1 Priceless (G. Glenn)   4:47
2 Lead Me Into Love (S. Lane & L. Prentiss)   4:44
3 Giving You The Best That I Got (A. Baker/S. Scarborough/R. Holland)   4:18
4 Good Love (G. Taylor)   5:38
5 Rules (M. Ryder/P. Nicholl & G. Lamb)   3:50
6 Good Enough (J. McBride & A. Baker)   4:47
7 Just Because (M. O'Hara/S. McKinney & A. Brown)   5:09
8 You Belong To Me (G. Lyle/T. Britten & B. Livsey)   3:50

Em 1988, Anita Baker editava o seu terceiro trabalho original de estúdio e mantinha a serena abordagem R&B/Soul aveludada e bem produzida que já a caraterizava. Canções bem estruturadas e impregnadas de uma forte temática romântica dominam o registo mas a musicalidade extraída vai muito além da tranquilidade de um trabalho meloso e baladeiro. 

O álbum vai-se abrindo à medida que as audições se sucedem e os pormenores começam então a ganhar os devidos contornos e todo o trabalho a fazer sentido, acabando por revelar um registo doce e quente em que se percebe como a impecável conduta de Anita Baker aparece agora mais solta e confiante. 

É a partir de "Good Love" que o registo se abre completamente e ganha outra frescura, aproximando-se então de uma sonoridade com requinte soul/pop, sem deixar de passar pela linha jazz de "Good Enough", que conta com uma prestação bem medida de Gerald Albright em sax-tenor. Para trás ficam três momentos mais orgânicos, assim caraterizados por incluírem a prestação de uma banda completa onde se insere o baterista Omar Hakim. Com exceção da já referida "Good Enough", as restantes músicas são reguladas, ritmicamente, pelas máquinas. O registo não fica descaraterizado por esta repartição rítmica mas dá para perceber que o álbum tem duas dinâmicas.

Outra presença fulcral nas músicas mais orgânicas é a fascinante prestação harmónica das segundas vozes, nomeadamente em "Lead Me Into Love"; uma balada que cresce dentro da sua própria dinâmica mas progride para um final caloroso em que Anita Baker "joga" com a prestação vocal das Perri Sisters para uma sequência entusiasmante. Esta música conta também com a prestação do pianista norte americano George Duke.

As maquinais "Good Love", "Just Because" e "You Belong To Me" apresentam as texturas mais orelhudas e cativam facilmente a atenção por serem tão pop enquanto "Rules", que também se insere neste lote, acaba por ser mais discreta mas ganha evidência pelo seu equilíbrio musical.

Anita Baker voltava assim a afirmar-se como uma artista e uma voz a ter em conta perante a cultura musical norte americana.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Delicate Sound Of Thunder - PINK FLOYD - LP02


Lado A
1 One Of These Days   6:16
2 Time   5:16
3 Money   9:52
4 Another Brick In The Wall, Part II   5:29
Lado B
1 Wish You Were Here   4:49
2 Comfortably Numb   8:56
3 Run Like Hell   7:12

Não deixa de ser curioso que David Gilmour, que não integrava a formação original dos Pink Floyd, seja a figura fulcral nas duas principais mudanças dentro da banda. É ele quem substitui o génio destruído de Syd Barrett em 1968 e é ele quem assume a liderança após a controversa negação de Roger Waters em manter a banda. Agora rodeado por jovens músicos, que ajudaram a reerguer algo que poucos acreditavam ser possível de voltar a ver, é a presença de David Gilmour que sobressai em todos os aspetos assumindo-se definitivamente como o novo líder da mítica banda britânica. 

Curioso também o facto de que em vinte anos de existência, e com exceção das quatro músicas ao vivo que preenchem o primeiro disco de Ummagumma, o duplo álbum editado em 1969, nunca os Pink Floyd tinham editado oficialmente um álbum ao vivo. Delicate Sound Of Thunder tornou-se assim no primeiro registo oficial da banda gravado totalmente ao vivo.

A segunda parte do concerto, que neste caso corresponde ao disco 2, é inteiramente preenchida com os grandes clássicos dos Pink Floyd e era aqui que residia uma das principais questões quanto a esta nova fase da banda; iria este repertório sobreviver em palco sem a disciplina de Roger Waters?

O arranque com "One Of These Days", a música mais antiga deste alinhamento, é monstruoso. Uma vigorosa demonstração de poder e de afirmação, com capacidade para surpreender os mais céticos quanto ao estado de espírito de uma banda renovada com tanto sangue fresco. A força e dinamismo de palco mantém-se para as interpretações de "Time", "Money" e "Another Brick In The Wall, part II", elevando a fasquia de uma prestação algo temida e que acaba por se expressar através de uma sonoridade atualizada e refrescante. "Money" é agora o momento para "brincar", com a banda a libertar-se em variadas dinâmicas e solos, até em modo reggae e um cheirinho de jazz, algo que Waters nunca teria permitido certamente. Este é dos momentos em que se percebe como os Pink Floyd de Gilmour se soltaram e se tornaram numa banda mais divertida e menos cerebral.

O modo acústico de "Wish You Were Here" atenua o andamento e conduz à magia de "Comfortably Numb", que seria provavelmente o momento mais esperado do concerto e Gilmour não iria desiludir certamente. Uma das músicas mais icónicas, não só dos Pink Floyd como do património musical mundial, "Comfortably Numb" continua a ser uma música imensa que se prolonga num dos solos de guitarra mais bem conseguidos da história do rock. Para esta digressão, a música é apresentada com uma ligeira alteração na entoação vocal mas uma vez que a parte cantada por Gilmour permanece exatamente igual fica a ideia de que muito provavelmente se procurasse criar algum distanciamento da versão original cantada por Roger Waters e torná-la agora na versão de Gilmour. "Run Like Hell" fecha a festa com a destreza do seu ritmo balanceado. 

Uma última curiosidade relativa a esta edição; em novembro de 1988, David Gilmour e Nick Mason foram convidados a deslocarem-se a Moscovo para assistirem ao lançamento do foguetão Soyuz TM-7, em que os astronautas levaram com eles, num voo com destino à estação espacial russa, uma cassete de Delicate Sound Of Thunder (sem a caixa original, para poupar peso) que assim se tornou no primeiro álbum rock a ser tocado no espaço.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Delicate Sound Of Thunder - PINK FLOYD - LP01


Lado A
1 Shine On You Crazy Diamond   11:54
2 Learning To Fly   5:27
3 Yet Another Movie   6:21
4 Round And Around   0:33
Lado B
1 Sorrow   9:28
2 The Dogs Of War   7:19   
3 On The Turning Away   7:57

Roger Waters nunca acreditou que os seus ex-companheiros tivessem a ousadia de voltar a gravar sob a denominação Pink Floyd sem a sua presença ou autorização. O impensável, para Waters, aconteceu e a ousadia até foi mais longe com a edição de um duplo álbum gravado ao vivo, em 1988. De referir que por esta altura a contenda que opunha Waters aos Pink Floyd já estava resolvida através de um acordo em que os direitos foram divididos pelas respetivas partes. 

Delicate Sound Of Thunder foi gravado durante as últimas cinco datas da tournée do álbum A Momentary Lapse Of Reason, no Nassau Veterans Memorial Coliseum em Nova Iorque. O registo evoca um final de digressão bem rodado, tendo em conta os atritos com que a digressão arrancou; como as constantes intimidações e ameaças de Roger Waters, a responsabilidade de montar uma banda à altura de um nome a respeitar e a manter, e os receios de se tratar de um regresso tardio e deslocado no tempo. Tudo isto obrigou a que David Gilmour tivesse de recorrer às pessoas certas para formar uma equipa de confiança que o ajudasse a erguer um espetáculo imenso, que fosse além da música e distraísse o olho, e houve mesmo muitos nomes envolvidos na produção desta grande digressão.

A primeira parte do concerto (disco 1) serve para apresentar os "novos" Pink Floyd, as músicas novas e uma banda de palco expandida, com mais um teclista (Jon Carin) e um percussionista (Gary Wallis) com o claro intuito de ocultar a insegurança dos dois membros mais frágeis de uma banda destruída pela força dos egos. De relembrar que Rick Wright, o teclista original dos Pink Floyd, foi afastado por Roger Waters após a tournée de The Wall, vindo a participar ainda nas gravações do álbum Final Cut e acompanhando esta nova fase como um músico contratado.

De forma a atenuar o impacto do público perante a nova fase dos Pink Floyd, agora sob a liderança do guitarrista David Gilmour, a abertura dos concertos era feita com o velho clássico "Shine On You Crazy Diamond". Preparado o terreno para a audiência mais antiga, a banda avançava de imediato com o alinhamento do seu álbum mais recente e motivo desta tournée. O novo repertório apresenta-se com os mesmos arranjos que se encontram no álbum o que demonstra a precisão e cuidado com que a digressão foi preparada. Tal como no álbum original, "Sorrow" e "The Dogs Of War" são as músicas que melhor encaixam na sonoridade Pink Floyd e que ao vivo ganham ainda mais dimensão.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Rapture - ANITA BAKER


1 Sweet Love   4:24
2 You Bring Me Joy (D. Lasley)   4:24
3 Caught Up In The Rapture (G. Glenn/D. Quander)   5:07
4 Been So Long   5:10
5 Mystery (R. Temperton)   4:56
6 No One In The World (K. Hirsch/M. Sharron)   4:10
7 Same Ole Love (M. McLeod & Darryl K. Roberts)   4:02
8 Watch Your Step   4:58

Um arranque falhado com um grupo local em Detroit, USA, denominado Chapter 8, com quem gravou em 1979 para a editora Ariola (que logo a seguir passou por um período de remodelação e deixou a banda para trás), conduziu então Anita Baker para outras paragens profissionais. Durante alguns anos manteve-se afastada da música até que em 1983 aceitou o desafio de gravar para a Beverly Glen Records, uma nova editora que emergia na altura. Esta parceria não obteve grandes êxitos mas atraiu a atenção da editora Elektra com quem Anita Baker gravou e editou o álbum "Rapture" em 1986 e obteve finalmente o devido reconhecimento artístico.     

Editado oficialmente como o segundo trabalho a solo de Anita Baker, "Rapture" manifesta-se como um trabalho consciente e bastante maduro, composto por canções de caráter romântico e impregnadas de uma boa dose de música soul, R&B e até mesmo de um cheirinho pop. A distinta postura vocal de Anita Baker sobressai pela projeção do seu timbre que mesmo não sendo macio transmite conforto e a plenitude de uma voz dinâmica que teve escola no gospel

As oito canções que compõem o registo revelam arranjos cuidados e várias dinâmicas desde, a poderosa e emocionante balada R&B "You Bring Me Joy", o detalhe jazz de "Been So Long" e a frescura de momentos como "Sweet Love", "No One In The World", "Same Ole Love" e "Watch Your Step" ou a requintada estrutura pop de "Caught Up In The Rapture" e a doce harmonia de "Mystery", duas músicas que contam com a participação de Michael Powell e David Washington, na guitarra e no baixo respetivamente, membros fundadores dos já referidos Chapter 8, assim como Vernon Fails nos teclados, também membro, na altura, da ex-banda de Anita Baker.

Neste mesmo ano, Anita Baker foi galardoada na 29ª edição dos prémios grammy com dois prémios, "Melhor performance vocal feminina R&B" com o álbum Rapture, e "Melhor canção R&B" com "Sweet Love".

Apesar do seu teor romântico não se deve julgar este registo como um trabalho maçudo e meloso. O álbum integra-se facilmente no que atualmente se designa como smooth jazz mas é suportado pela elegância, capacidade e firmeza de um bom trabalho técnico.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Earthquake Island - JON HASSELL


1 Voodoo Wind   9:38
2 Cobra Moon   4:54
3 Sundown Dance   4:52
4 Earthquake Island   10:18
5 Tribal Secret   3:51
6 Baliá   4:36
7 Adiós, Saturn   1:56

O trompetista norte americano Jon Hassell desenvolveu um conceito musical que denominou como "fourth world", uma espécie de globalização musical que passa pela unificação de uma sonoridade primitivo/futurista combinada através de elementos de música étnica com alguma eletrónica mais avançada. Em 1977, Jon Hassel revelava o conceito, pela primeira vez em disco, com o seu primeiro álbum a solo "Vernal Equinox", a que se seguiu, em 1979, este "Earthquake Island". A fusão de géneros era então uma prática corrente para alguns dos grupos de jazz da época mas Jon Hassell procurava estender o seu conceito de uma forma mais abstrata. 

Começa por ser inevitável uma comparação com a sonoridade dos Weather Report dos primeiros tempos, ainda para mais havendo aqui a colaboração do baixista Miroslav Vitous e do percussionista Dom Um Romão, dois dos elementos que integraram essa lendária formação. No entanto, Jon Hassell procura mover-se por outras latitudes e para tal recorre a uma particularidade técnica que desenvolveu em estudo com o músico Indiano Pandit Pran Nath, associada ao efeito de um harmonizer, o que lhe proporciona uma sonoridade algo exótica e distinta. Para além do trompete, Jon Hassell trabalha ainda com dois sintetizadores (Arp & Polymoog) com os quais cria uma ambiência minimalista para complementar o seu trabalho de improviso sobre a festividade que as percussões do brasileiro Naná Vasconcelos e do Indiano Badal Roy proporciona. Nesta sessões participaram também os dois guitarristas brasileiros Cláudio Ferreira e Ricardo Silveira, e a vocalista afro-americana Clarice Taylor.       

A audição deste trabalho é uma experiência alucinante que viaja abertamente por entre regiões desconhecidas e imaginárias. Uma mistura de composição vanguardista com jazz e ritmos africanos e médio-orientais, conduzida por Jon Hassell para uma jornada tão natural e simultaneamente hipnótica e transcendente, em que a multiplicidade étnica inebria e invade os sentidos; o som da terra, o ritmo da vida, a essência da cor e a dança dos cheiros. São as percussões que fazem este álbum sobreviver enquanto Jon Hassell se pronuncia como o elemento externo que procura a sua posição neste mundo fervilhante de ritmo. 

A sequência do álbum tem início com a excitante cadência de "Voodoo Wind", motivada pela inventividade de Naná Vasconcelos e pela participação vocal de Clarice Taylor. "Cobra Moon" denuncia-se por uma ambiência misteriosa que balanceia entre o baixo de Miroslav Vitous e as várias percussões de Naná Vasconcelos, Badal Roy e Dom Um Romão. Em "Sundown Dance" sente-se a subtileza das guitarras de Cláudio Ferreira e Ricardo Silveira para uma peça mais harmoniosa em que a base rítmica é sustentada por palmas. A suite "Earthquake Island" é composta por três secções que sugerem uma travessia envolta por várias sonoridades. "Tribal Secret" é o único momento deste álbum em que Jon Hassell não utiliza o seu trompete, limitando-se aos seus dois sintetizadores de onde retira demorados acordes, com Naná Vasconcelos e Badal Roy a sustentar a peça. "Baliá" torna-se num dos momentos de maior realce pela sua disposição estrutural com presença de praticamente todos os elementos, exceto a voz de Clarice Taylor que aqui é substituída pelo timbre grave de Naná Vasconcelos. "Adiós, Saturn" é uma curta despedida, com Clarice Taylor.     

Não é fácil sobreviver a esta demanda de Jon Hassell. Uma audição aberta, sensitiva e interessada será a melhor forma de absorver o exotismo do seu conteúdo.