quinta-feira, 18 de abril de 2024

Music For The Masses - DEPECHE MODE


1 Never Let Me Down Again (M. L. Gore)   4:47
2 The Things You Said (M. L. Gore)   3:55
3 Strangelove (M. L. Gore)   4:55
4 Sacred (M. L. Gore)   4:42
5 Little 15 (M. L. Gore)   4:14   
6 Behind The Wheel (M. L. Gore)   5:17
7 I Want You Now (M. L. Gore)   3:44
8 To Have And To Hold (M. L. Gore)   2:50
9 Nothing (M. L. Gore)   4:12
10 Pimpf (M. L. Gore)   4:56
     Bonus Tracks
11 Agent Orange (M. L. Gore)   5:04
12 Never Let Me Down Again (Aggro Mix) (M. L. Gore)   4:54
13 To Have And To Hold (Spanish Taster(M. L. Gore)   2:34
14 Pleasure, Little Treasure (Glitter Mix) (M. L. Gore)   5:36

Os tons negros que complementam a sonoridade eletro-pop dos britânicos Depeche Mode contribuem para a autonomia e firmeza da sua imagem. A banda evoluiu categoricamente através de uma plenitude sombria, conseguindo afirmar-se aos poucos com uma postura transgressiva e ditatorial até alcançar a grandiosidade dos grandes atos. 'Black Celebration', editado em 1986, aproximava-se bastante deste patamar mas o requinte chegaria no ano seguinte.

Em 1987, com um título subtilmente previdente, 'Music For The Masses' abria definitivamente as portas do mundo aos Depeche Mode. Esta é uma obra urgente e decisiva no percurso da banda, que confirma todo o potencial de uma vertente eletrónica bem poderosa, maquinalmente envolvente, em que a notabilidade de uma dinâmica pop sombria, séria, rica e inteligente, é estimulada pela química fatal de canções contagiantes e imbuídas de um forte caráter estético que se move entre a herança do ritmo industrial e a simplicidade harmónica da música pop.

Singles fortíssimos e icónicos como "Never Let Me Down Again", "Strangelove" e "Behind The Wheel", captam as principais atenções para a notável habilidade da construção musical do registo, sob a habitual estrutura maioritariamente composta por sintetizadores. No entanto, o álbum floresce também na sentida desilusão de "The Things You Said", no território sagrado da dogmática "Sacred", na sobriedade do classicismo artificial de "Little 15", no intrépido arranjo vocal para "I Want You Now", na brevidade declamatória de "To Have And To Hold", no vigoroso impulso rítmico de "Nothing" e na denunciada herança industrial, bem vincada, no instrumental "Pimpf".

A edição em CD contém quatro faixas extra, todas pertencentes às mesmas sessões de gravação deste registo; o instrumental "Agent Orange", editado apenas como lado B do single "Strangelove", nova mistura para "Never Lee Me Down Again" e "To Have And To Hold", e também uma nova mistura para "Pleasure, Little Treasure", que foi originalmente editada como lado B do single "Never Lee Me Down Again".

terça-feira, 9 de abril de 2024

Back To Black - AMY WINEHOUSE


1 Rehab (A. Winehouse)   3:32
2 You Know I'm No Good (A. Winehouse)   4:15
3 Me & Mr Jones (A. Winehouse)   2:30
4 Just Friends (A. Winehouse)   3:11
5 Back To Black (A. Winehouse/M. Ronson)   3:59
6 Love Is A Losing Game (A. Winehouse)   2:33
7 Tears Dry On Their Own (A. Winehouse/N. Ashford/V. Simpson)   3:04
8 Wake Up Alone (A. Winehouse/P. O'Duffy)   3:40
9 Some Unholy War (A. Winehouse)   2:20
10 He Can Only Hold Her (A. Winehouse/R. Poindexter/R. Poindexter)   2:43
11 Addicted (A. Winehouse)   2:43

Amy Winehouse detinha a aura típica que acompanha o percurso dos artistas carismáticos; os vícios, os desamores, as polémicas, a tragédia e também a arte de saber como usar a voz para exorcizar as feridas e os tormentos. A música soul, o R&B e o jazz, foram os estilos que lhe serviram de refúgio e onde se apoiou para exprimir a subtil urgência de uma frágil dureza em que procurou amparo. 

Editado em 2006, 'Back In Black' marca, infelizmente, o final de uma carreira curta, bruscamente interrompida aos 27 anos - idade trágica que se encontra associada ao desaparecimento prematuro de outros ícones da música popular - em que esta jovem promessa da música britânica brilhou intensamente com apenas dois registos discográficos; 'Frank' em 2001 e depois 'Back To Black'. 

Foi com 'Back To Black' que as atenções se viraram definitivamente para a música de Amy Winehouse. Um registo poderoso, difícil de largar após a primeira audição, tratado com arranjos bem cuidados e atentos, há muitos nomes envolvidos na gravação, em que tudo parece estar centrado na recuperação do esplendor e riqueza de uma sonoridade nostálgica que encaixa na perfeição com o perfil de Amy Winehouse. Poderia ter sido uma nova 'lady soul'. 

A coesão do alinhamento não apresenta pontos fracos, sendo fácil saborear o deleite de uma audição faixa-a-faixa sem interrupção. É uma obra muito bem conseguida, uma espécie de viagem temporal que visa uma época áurea em que a música era feita com corpo e alma, que não fica datada, por estar devidamente contextualizada na sua época. Registo atraente, limpo, carismático e dignificante, apesar do que possa ocultar.

sábado, 30 de março de 2024

"Suedehead", The Best Of - MORRISSEY


1 Suedehead (Morrissey/Street)   3:54
2 Sunny (Morrissey/Whyte)   2:42
3 Boxers (Morrissey/Whyte)   3:29
4 Tomorrow (Morrissey/Whyte)   4:04
5 Interlude (Delerue/Shaper)   5:47
6 Everyday Is Like Sunday (Morrissey/Street)   3:32
7 That's Entertainment (Weller)   3:55
8 Hold On To Your Friends (Morrissey/Whyte)   4:02
9 My Love Life (Morrissey/Nevin)   4:23
10 Interesting Drug (Morrissey/Street)   3:26
11 Our Frank (Morrissey/Nevin)   3:22
12 Piccadilly Palare (Morrissey/Armstrong)   3:24
13 Ouija Board, Ouija Board (Morrissey/Street)   4:24
14 You're The One For Me, Fatty (Morrissey/Whyte)   2:56
15 We Hate It When Our Friends Become Successful  (Morrissey/Whyte)   2:28
16 The Last Of The Famous International Playboys  (Morrissey/Street)   3:36
17 Pregnant For The Last Time (Morrissey/Nevin)   2:40
18 November Spawned A Monster (Morrissey/Langer)   5:24
19 The More You Ignore Me, The Closer I Get (Morrissey/Boorer)    3:42

Apelativa e generosa coletânea, editada em 1997, que evoca o período 1988 - 1995 da carreira a solo de Morrissey, ex-vocalista dos britânicos The Smiths. Polémicas à parte, esta era uma fase decisiva durante a qual se questionou o quanto Morrissey estaria dependente da envolvência da histórica banda britânica e o facto é que o carisma e a irreverência de Morrissey, seja pelo bem ou seja pelo mal, será sempre um ponto forte a ter em conta na sua vertente artística e assim se comprovou que Morrissey sobrevive facilmente sem os Smiths.

Malicioso, mordaz, ou simplesmente provocador e sincero no seu juízo, não há simpatia que o pare ou demova. Morrissey a solo soa exatamente como o 'conhecíamos' nos Smiths, o mesmo timbre, a mesma imagem, a mesma pose, apenas a sua música soa algo mais próxima de um pop/rock macio, irreverente e bastante particular, de cariz adulto, que também pode ser manifestamente venenoso e até mesmo cruel.

É difícil não deliciar com o digno esplendor de faixas icónicas como "Suedehead" e "Everyday Is Like Sunday", os primeiros singles, ou "We Hate It When Our Friends Become Successful" e "The Last Of The Famous International Playboys". Também é difícil não lembrar dos saudosos The Smiths em momentos como "Tomorrow", "You're The One For Me, Fatty", "Pregnant For The Last Time" e "November Spawned A Monster". No entanto, junte-se a genuína vitalidade de canções como "Sunny", "Boxers", "Hold On To Your Friends", "Our Frank", "Piccadily Palare", "Ouija Board, Ouija Board" ou "The More You Ignore Me, The Closer I Get" e obtém-se a fórmula que eleva a distinta obra de Morrissey a solo ao mais alto patamar. 

Duas versões complementam ainda os extras desta edição. A mais relevante, e um dos pontos altos do álbum, é a negra ternura da excelsa adaptação, integral, de "Interlude" - gravada originalmente por Timi Yuro em 1968 para o filme do mesmo nome - interpretada em duo por Morrissey e Siouxsie Sioux, e editada em formato de single em 1994. A outra versão corresponde a uma adaptação mais singela para "That's Entertainment", escrita originalmente por Paul Weller para os seus The Jam em 1981.

Um registo esclarecedor e fundamental quanto à real capacidade artística de Morrissey trabalhar a solo e uma amostra construtiva e reveladora de uma obra que não desilude.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Hellbilly Deluxe - ROB ZOMBIE

 

1 Call Of The Zombie (R. Zombie/S. Humphrey)   0:30
2 Superbeast (R. Zombie/S. Humphrey)   3:39
3 Dragula (R. Zombie/S. Humphrey)   3:42
4 Living Dead Girl (R. Zombie/S. Humphrey)   3:21
5 Perversion 99 (R. Zombie/S. Humphrey)   1:42
6 Demonoid Phenomenon (R. Zombie/S. Humphrey)   4:11
7 Spookshow Baby (R. Zombie/S. Humphrey)   3:37 
8 How To Make A Monster (R. Zombie/S. Humphrey)   1:37
9 Meet The Creeper (R. Zombie/S. Humphrey)   3:12
10 The Ballad Of Resurrection Joe And Rosa Whore (R. Zombie/S. Humphrey)   3:55
11 What Lurks On Channel X? (R. Zombie/S. Humphrey)   2:28
12 Return Of The Phantom Stranger (R. Zombie/S. Humphrey)   4:30
13 The Beginning Of The End (R. Zombie/S. Humphrey)   1:52

Editado em 1998, 'Hellbilly Deluxe' é o primeiro trabalho a solo de Rob Zombie, o principal mentor da banda norte-americana White Zombie que findou oficialmente a sua atividade em 1996. Ávido de dar continuidade à sua obra pelos seus próprios meios, e conceito, Rob Zombie é o simpático anfitrião desta horripilante viagem pela sua pequena e excêntrica feira de horrores. Personificado como um verdadeiro mestre de entretenimento do horror, Rob Zombie proporciona a deliciosa falsidade de uma representação povoada de fantasmagoria e avassaladores riffs de guitarra, num delirante festim de horror-rock pesado e bem medido.

É como tirar bilhete para uma viagem impetuosa num carrossel delirantemente povoado por personagens curiosas, fantásticas e horripilantes, em que o pano de fundo é uma casa assombrada. E também pode ser um simples pesadelo, elaborado sob a forma de um espetáculo exótico e excêntrico que não impressiona mas tem capacidade para divertir, excitar e entusiasmar. É musicalmente intenso e bastante dinâmico, movendo-se por entre o cativante exotismo de "Living Dead Girl", "Spookshow Baby" e "Return Of The Phantom Stranger" e o brutal impacto de "Superbeast", "Dragula" e "Meet The Creeper". Curtos trechos eletrónicos complementam a potente estrutura do álbum, ajudando à sua contemporaneidade e enquadramento na época; "Demonoid Phenomenon", "The Ballad Of Ressurection Joe And Rosa Whore" e "What Lurks On Channel X?" são as músicas que se enquadram na plenitude deste último apontamento.

O fantástico enredo desta obra demoníaca completa-se com as pontuais introduções - interregnos - inseridas nos seus devidos momentos: "Call Of The Zombie" introduz inocentemente o tema da obra, "Perversion 99" adensa o mistério da próxima sequência, "How To Make A Monster" produz o efeito de baixa fidelidade de um filme de série B e "The Beginning Of The End" representa o epílogo, em ritmo industrial.

Nota positiva, também, para o trabalho gráfico do álbum, em que para além do próprio Rob Zombie participaram Basil Gogos, Dan 'The Man' Brereton e Gene 'The Mean Machine' Colan.

sábado, 9 de março de 2024

Torture Garden - NAKED CITY


  Lado A (sado side)
1 Blood Is Thin (J. Zorn)   1:00
2 Demon Sanctuary (J. Zorn)   0:38
3 Thrash Jazz Assassin (J. Zorn)   0:45
4 Dead Spot (J. Zorn)   0:31
5 Bonehead (J. Zorn)   0:51
6 Speedball (J. Zorn)   0:37
7 Blood Duster (J. Zorn)   0:13
8 Pile Driver (J. Zorn)   0:33
9 Shangkuan Ling-Feng (J. Zorn)   1:14
10 Numbskull (J. Zorn)   0:29
11 Perfume Of A Critic's Burning Flesh (J. Zorn)   0:24
12 Jazz Snob Eat Shit (J. Zorn)   0:24
13 The Prestidigitator (J. Zorn)   0:43
14 No Reason To Believe (J. Zorn)   0:26
15 Hellraiser (J. Zorn)   0:39
16 Torture Garden (J. Zorn)   0:35
17 Slan (J. Zorn)   0:23
18 Hammerhead (J. Zorn)   0:08
19 The Ways Of Pain (J. Zorn)   0:31
20 The Noose (J. Zorn)   0:10
21 Sack Of Shit (J. Zorn)   0:43
  Lado B (maso Side)
1 Blunt Instrument (J. Zorn)   0:53
2 Osaka Bondage (J. Zorn)   1:14
3 Igneous Ejaculation (J. Zorn)   0:20
4 Shallow Grave (J. Zorn)   0:40
5 Ujaku (J. Zorn)   0:27
6 Kaoru (J. Zorn)   0:50
7 Dead Dread (J. Zorn)   0:45
8 Billy Liar (J. Zorn)   0:10
9 Victims Of Torture (J. Zorn)   0:22
10 Speedfreaks (J. Zorn)   0:29
11 New Jersey Scum Swamp (J. Zorn)   0:41
12 S & M Sniper (J. Zorn)   0:14
13 Pigfucker (J. Zorn)   0:23
14 Cairo Chop Shop (J. Zorn)   0:22
15 Fuck The Facts (J. Zorn)   0:11
16 Obeah Man (J. Zorn)   0:17
17 Facelifter (J. Zorn)   0:34
18 N.Y. Flat Top Box (J. Zorn)   0:43
19 Whiplash (J. Zorn)   0:19
20 The Blade (J. Zorn)   0:36
21 Gob Of Spit (J. Zorn)   0:18

'Torture Garden': Título emprestado de um livro escrito em 1899 pelo autor francês Octave Mirbeau, que também ficou conhecido como jornalista, crítico de arte e anarquista, cujo enredo evolui no espaço de um jardim, situado na China, onde se pratica tortura como uma forma de arte. Esta premissa permite antever um pouco do que espera a quem se atrever a enfrentar o desafiante registo que os norte-americanos Naked City editaram em 1991. E aprecie-se ou não, isto é realmente arte em estado bruto. 

Liderados pelo saxofonista John Zorn, nome maior do underground nova-iorquino e reputado compositor de caráter vanguardista, os Naked City servem uma intrépida dose de fortes emoções com um distinto e empolgante cardápio de 42 músicas para consumo rápido e sem hipótese de digestão, num disco de vinil de 12" que deve ser rodado a 45rpm, em que dificilmente se encontra uma música que tenha mais do que um minuto. De referir que nove destas músicas já compunham o alinhamento do primeiro registo dos Naked City, editado em 1990, e que as restantes seriam depois incluídas no alinhamento de "Grand Guignol", editado em 1992.

Um trabalho incrível e tão imprevisível, no qual se passa do heavy metal para o jazz, ao country, à música latina, ao thrash metal, ao reggae, ao rock, à música surf, música de cinema, efeitos de ruído, sons de séries de animação e outros géneros mais, numa rápida sucessão de trechos musicais que encaixam uns nos outros de modo frenético mas igualmente genial e virtuoso. A arte e o talento dos Naked City não conhece limites, faculdade que lhes abre as portas da criatividade e exploração, ou experimentalismo, de combinar estilos musicais tão diferentes entre si. O resultado pode ser de um extremismo brutal, gritante e demolidor, sendo também burlesco e divinal ou até bastante mordaz como sugerem os expressivos títulos de algumas destas "músicas".     

'Torture Garden' está longe de ser um álbum fofinho e acolhedor, podendo tornar-se mesmo tortuoso e exasperante para ouvintes mais convencionais. Mas esta é uma bela aventura, conduzida pela impressionante precisão técnica dos Naked City que certamente se terão divertido imenso com a sua conceção. Poderá ser difícil de entender o conceito deste álbum mas não há colagens ou samples. É tudo tocado pelos Naked City; John Zorn no saxofone, Bill Frisell na guitarra, Fred Frith no baixo, Wayne Horvitz nas teclas, Joey Baron na bateria e uma participação especial de Yamatsuka Eye na expressão vocal.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Moon Safari - AIR


1 La Femme D'Argent (J-B Dunckel/N. Godin)   7:08
2 Sexy Boy (J-B Dunckel/N. Godin)   4:57
3 All I Need (B. Hirsch/J-B Dunckel/N. Godin)   4:28
4 Kelly, Watch The Stars! (J-B Dunckel/N. Godin)   3:44
5 Talisman (J-B Dunckel/N. Godin)   4:16
6 Remember (J-J Perrey/J-B Dunckel/N. Godin)   2:34
7 You Make It Easy (B. Hirsch/J-B Dunckel/N. Godin)   4:00
8 Ce Matin La (J-B Dunckel/N. Godin/P. Woodcock)   3:38
9 New Star In The Sky (chanson pour SOLAL) (J-B Dunckel/N. Godin)   5:38
10 Le Voyage De Penelope (J-B Dunckel/N. Godin)   3:10

Admirável registo de estreia para o duo francês Air, editado em 1998, 'Moon Safari' está instalado num patamar situado algures entre a ambiência espacial da ficção científica e a herança da doce simplicidade de canções pop afáveis e cativantes, carregadas de alguma reminiscência vintage. Depois, há também as inebriantes viagens instrumentais que permitem deambular airosamente por paisagens macias e aveludadas que se difundem sob o esplendor cintilante do brilho estelar. Tudo aqui é etéreo e delicado.

Um futuro que já foi ou um passado que retorna ao futuro que não o chegou a ser. O registo não é assim tão complexo mas fica no ar a nítida sensação de se estar perante um futuro já esquecido que os Air conseguem habilmente recuperar através de uma atenta e bem medida imersão temporal. Um registo algo inesperado, numa altura em que as correntes musicais pop/rock tendiam em apontar para sonoridades mais sujas e agressivas, que mostra uma consciência musical distinta, sem vergonha de ir buscar inspiração atrás para criar à frente. No fundo toda a música é cíclica, um digno retorno, e alimenta-se tão naturalmente destas reminiscências para evoluir ou enriquecer.
 
Ao leme destas admiráveis viagens estão Jean-Benoit Dunckel e Nicolas Godin. Dunckel é quem manipula toda a maquinaria que envolve teclas enquanto Godin se divide pelas cordas do baixo e da guitarra, canta, também dá um jeito nas teclas, e percorre uma variedade de pequenos instrumentos que ajudam a encher o fundo sonoro desta fantástica aventura musical em que também participa a norte-americana Beth Hirsch, dona da voz macia e sedutora em "All I Need" e "You Make It Easy". Pop eletrónica de cariz retro bem vincado pela utilização de instrumentos analógicos em que pontua a distinta sonoridade dos sintetizadores Moog e Korg MS20 e outros mais. A evocação de outras épocas da música francesa faz o resto. O futuro dos Air começava a desenhar-se aqui.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Odelay - BECK


1 Devils Haircut (B. Hansen/Simpson/King)   3:13
2 Hotwax (B. Hansen/Simpson/King)   3:52
3 Lord Only Knows (B. Hansen)   4:14
4 The New Pollution (B. Hansen/Simpson/King)   3:39
5 Derelict (B. Hansen/Simpson/King)   4:11
6 Novacane (B. Hansen/Simpson/King)   4:38
7 Jack-Ass (B. Hansen/Simpson/King)   4:00
8 Where It's At (B. Hansen/Simpson/King)   5:25
9 Minus (B. Hansen)   2:32
10 Sissyneck (B. Hansen/Simpson/King)   4:02
11 Readymade (B. Hansen/Simpson/King)   2:43
12 High 5 (Rock The Catskills) (B. Hansen/Simpson/King)   4:10
13 Ramshackle (B. Hansen)   4:49
14 Diskobox (B. Hansen/Simpson/King)   3:35

Editado em 1996, 'Odelay' foi o quinto trabalho de estúdio para o norte-americano Beck Hansen e teve o condão de ser o registo da sua afirmação definitiva. A parceria com o duo de produtores The Dust Brothers - E.Z. Mike (Michael Simpson) e King Gizmo (John King) - foi essencial para o trabalho de composição e de produção do registo cujo resultado final se manifesta como uma obra genial, engenhosa, inteligente, inovadora e, de certa forma, algo ousada.

'Odelay' é como que um álbum de retalhos que funciona como uma inspiradora viagem temporal através de outras épocas e de outros sons, sem largar a realidade da sua posição contemporânea. Uma receita eficaz, assente na multiplicidade de géneros e sonoridades que o passado legou, e muitas que até ignorou, em que através de uma manifesta reciclagem musical, cuidadosamente selecionada e bem enquadrada, surgem agora originalmente revigoradas por um processo de produção musical que se pretende como criativo e no qual se recorre à utilização de samples - curtos trechos de outras músicas, que servem como base/apoio para criar músicas novas - uma técnica com tanto de polémico como de interessante. 

Mas 'Odelay' não vive só de samples. Beck é um músico versátil, capaz de tocar vários tipos de instrumentos e tem até facilidade em trabalhar com instrumentos que não domina, e é mesmo ele quem toca praticamente tudo ao longo do registo. Grande parte das músicas foram primeiro abordadas sob o formato de canção e só depois foram preenchidas com os mais diversos elementos que Beck e os Dust Brothers 'samplaram' da vasta coleção de registos musicais da dupla de produção. Neste alinhamento há apenas três músicas que escaparam ao cunho dos Dust Brothers; a intimidade de "Lord Only Knows", a aspereza punk de "Minus" (demonstrativa do que poderia ser este registo sem a divina colaboração dos Dust Brothers) e a distinta soturnidade acústica de "Ramshackle", em que participa o incontornável contrabaixista jazz Charlie Haden.

Registo inquestionavelmente inventivo que pode ser definido pela integralidade do seu caráter pop/rock em que também predomina essencialmente o hip-hop, havendo ainda espaço para o folk e para o country. Uma airosa combinação de elementos distintos, capazes de surtir um efeito eclético e inovador que resulta bem original.

A faixa "Diskobox" ficou de fora da edição original acabando por ser recuperada nas edições de alguns países como uma faixa extra, sendo esta edição Europeia uma das galardoadas.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

English Settlement - XTC


  Lado A
1 Runaways (C. Moulding)   4:32
2 Ball And Chain (C. Moulding)   4:28
3 Senses Working Overtime (A. Partridge)   4:50
4 Jason And The Argonauts (A. Partridge)   6:05
5 Snowman (A. Partridge)   5:00
  Lado B
1 Melt The Guns (A. Partridge)   6:27
2 No Thugs In Our House (A. Partridge)   5:08
3 Yacht Dance (A. Partridge)   3:53
4 English Roundabout (C. Moulding)   3:49
5 All Of A Sudden (It's Too Late) (A. Partridge)   5:17 

Quinto registo de estúdio para o quarteto britânico XTC, editado originalmente em 1982 em formato de duplo vinil mas que acabou por conhecer edições diferentes em muitos outros países, Portugal inclusive. A edição aqui apresentada corresponde precisamente à edição Portuguesa, em vinil, composta por apenas um disco. 

Sobriedade pop/rock de índole britânica, com pequenos laivos de folk/rock, já devidamente inserida na corrente dominante da new wave, composta por composições inteligentes, com uma estrutura ordenada e bem definida, capazes de prender toda a atenção pela consciente limpidez da sua exposição. A aparente simplicidade do registo oculta alguma habilidade artística e até a inerência de um evidente talento musical que acaba por transparecer de forma tão natural com o resultado final do registo.

É um trabalho de essências profundas em que a música se conjuga numa coesão de elementos perfeitos, derivado, certamente, das enigmáticas circunstâncias celestiais que terão correspondido com a altura e o momento certos. Equilibrado e muito bem organizado, o registo consegue fascinar logo à primeira audição por funcionar perfeitamente bem como um todo e do qual se torna injusto fazer quaisquer destaques dentro do seu resultado final. É uma obra que merece uma atenção cuidada e uma audição atenta para se tirar o devido proveito da consciente racionalidade, esplendor, e distinta subtileza artística que emana. 

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Jumpin' Jive - JOE JACKSON


  Lado A
1 Jumpin' With Symphony Sid (C. Beeks/L. Young)   2:39
2 Jack, You're Dead (D. Miles/W. Bishop)   2:42
3 Is You Is Or Is You Ain't My Baby (B. Austin/L. Jordan)   4:52
4 We The Cats (Shall Hep Ya) (B. Harding/C. Calloway/J. Palmer)   3:14
5 San Francisco Fan (M. More)   4:23
6 Five Guys Named Moe (J. Bresler/L. Wynn)   2:27
  Lado B
1 Jumpin' Jive (Calloway/Froeba/Palmer)   2:36
2 You Run Your Mouth (And I'll Run My Business) (Armstrong)   2:28
3 What's The Use Of Getting Sober (When You're Gonna Get Drunk Again) (Meyers)   3:42 
4 You're My Meat (Skeets/Tolbert)   2:52
5 Tuxedo Junction (F. Feyne/E. Hawkins/W. Johnson/J. Dash)   5:12 
6 How Long Must I Wait For You (P. Specht)   4:00

Depois do enérgico balanço inicial, impulsionado pelo contagiante entusiasmo da atmosfera gerada pela audácia do movimento punk e impregnado de música pop/rock repleta de laivos modernistas da new wave, ao quarto álbum de estúdio o britânico Joe Jackson surpreendia com a abordagem jazz de 'Jumpin' Jive', editado em 1981. 

Em consequência do desgaste físico provocado por cerca de dois anos contínuos em estrada, Joe Jackson passou por um período de convalescença, em sua casa, durante o qual se dedicou à audição de discos de Jump Blues (estilo habitualmente referenciado como precursor do rock 'n roll e do R&B) que teve o seu período áureo na década de 1940 e o saxofonista norte-americano Louis Jordan como um dos seus nomes mais sonantes. Foi precisamente com este repertório de Louis Jordan, a que ainda juntou três músicas de Cab Calloway, uma de Lester Young e um tributo a Glenn Miller que Joe Jackson se dedicou à produção do seu quarto álbum.   

Este não é, portanto, um registo de originais, mas sim um regozijo musical, sem grandes pretensões jazzísticas, em que Joe Jackson e o seu eficiente naipe de músicos apenas pretende desfrutar de um repertório rejubilante, onde reina a boa disposição, a alegria, muito humor e muito swing. A banda foi estruturada à imagem das formações que caraterizavam as bandas do género na época, em que para além da habitual tríade rítmica, bateria (Larry Tolfree), baixo (Graham Moby) e piano (Nick Weldon), pontuava ainda um trompetista (o Português Raúl Oliveira) e dois saxofonistas, um alto (Pete Thomas) e um tenor (Dave Bitelli) - que também se aplica no clarinete. Joe Jackson canta e faz apontamentos nas lâminas.

E se as deliciosas músicas de Cab Calloway são irresistíveis, as de Louis Jordan não ficam nada atrás. O exotismo de "San Francisco Fan", o swing cúmplice de "We The Cats" e o single "Jumpin' Jive", compõem o repertório de Cab Calloway. "Jumpin' With Symphony Sid" tem a distinta assinatura do enorme Lester Young, enquanto Joe Jackson usa "Tuxedo Junction" como um dedicado tributo a Glenn Miller. Quanto ao restante repertório, já executado uma vez ou mais por Louis Jordan And His Tympany Five, foi a verdadeira fonte de inspiração para este registo. Trata-se realmente de um repertório cativante e muito acessível.

Nos créditos do álbum, Joe Jackson assume este registo como um sentido tributo a Louis Jordan, 'The King Of The Juke Boxes', cuja influência musical foi enorme mas muito pouco reconhecida. Louis Jordan não procurava agradar aos puristas ou amantes de jazz. Tal como Joe Jackson e a sua banda, queria simplesmente divertir-se e daí tirar o seu próprio proveito.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Peter Gabriel - PETER GABRIEL


  Lado A 
1 The Rhythm Of The Heat (P. Gabriel)   5:19
2 San Jacinto (P. Gabriel)   6:20
3 I Have The Touch (P. Gabriel)   4:31
4 The Family And The Fishing Net (P. Gabriel)   7:00
  Lado B
1 Shock The Monkey (P. Gabriel)   5:23
2 Lay Your Hands On Me (P. Gabriel)   6:02
3 Wallflower (P. Gabriel)   6:29
4 Kiss Of Life (P. Gabriel)   4:15

Os quatro primeiros registos de Peter Gabriel a solo foram apenas denominados como 'Peter Gabriel'. Uma distinta particularidade que indicia a falta de teor comercial com que o músico britânico lidava com o seu próprio trabalho. O foco de produção incidia na busca de novas sonoridades, e estilos, que pudessem acrescentar algo mais à sua música sem repetir fórmulas. 

Com a edição deste registo em 1982, o álbum 4 da sua carreira a solo, Peter Gabriel apresentava pela primeira vez ao mundo uma obra gravada com sons reproduzidos por um sintetizador Fairlight CMI - cuja capacidade de gravação e reprodução, de qualquer som gravado para a sua memória, pode ser atualmente equiparado à funcionalidade de um sampler.

É igualmente notória a importância da base rítmica que sustenta as músicas. A base rítmica era programada por Peter Gabriel através de uma caixa de ritmos Linn LM-1, que lhe permitia trabalhar com ritmos que não se encontram vulgarmente na música rock. Depois, é a partir destas bases que Peter Gabriel encontra o caminho para as suas músicas. 

No entanto, este é de facto um registo orgânico, que gravita no pulsar da combinação do calor do ritmo Africano com a frieza dos instrumentos eletrónicos, acabando por ser impulsionado através de uma dinâmica coerente que tem tanto de espiritual como de maquinal. A estrutura das músicas assenta no domínio da cuidada manipulação eletrónica que rodeia o núcleo orgânico da formação - Jerry Marotta, na bateria, Tony Levin, no baixo e stick, David Rhodes, na guitarra, e Larry Fast nas teclas - que depois constrói a sua própria textura e completa a disposição final das músicas. 

O álbum revela uma sobriedade artística fascinante e inovadora, fortemente dinamizada pelo intuito de uma demanda pessoal para criar música sem ter em conta critérios de aceitação comercial. Procurando fugir à monotonia da música de rádio, Peter Gabriel apontou a valores não ocidentais e procurou inspiração na música de culturas mais exóticas. São esses os sons que servem de apoio a esta obra e que ajudam a transmitir a energia tribal de "Rhythm Of The Heat", a natureza mística da cultura Índia (norte-americana) em "San Jacinto", a importância pop de "I Have The Touch", a teia parental de "The Family And The Fishing Net", a robustez animal do single "Shock The Monkey", o elaborado despertar de "Lay Your Hands On Me", a frágil sensibilidade de "Wallflower" e a celebração de vida com um final eletrizante sob a égide de "Kiss Of Life". 

Uma obra excitante, sedutora e atrativa, precursora de uma nova via para novas músicas e através da qual Peter Gabriel mergulhou definitivamente em novas atmosferas.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Peter Gabriel - PETER GABRIEL


  Lado A
1 Moribund, The Burgermeister (P. Gabriel)   4:16
2 Solsbury Hill (P. Gabriel)   4:18
3 Modern Love (P. Gabriel)   3:34
4 Excuse Me (P. Gabriel/M. Hall)   3:15
5 Humdrum (P. Gabriel)   3:20
  Lado B
1 Slow Burn (P. Gabriel)   4:34
2 Waiting For The Big One (P. Gabriel)   7:16
3 Down The Dolce Vita (P. Gabriel)   4:43
4 Here Comes The Flood (P. Gabriel)   5:54

1977 marca o ano do primeiro registo a solo para Peter Gabriel, depois de oito anos como vocalista dos Genesis. A figura de Peter Gabriel era um dos pontos fortes da histórica banda britânica em que, para além de ser a voz principal e contribuir com a escrita para grande parte das músicas, desempenhava em palco magníficas e elaboradas interpretações onde vestia, literalmente, a pele das impressionantes personagens que interpretava. 

A criatividade de Peter Gabriel mantém-se bem desperta com este trabalho de estreia, ou não fosse a procura de liberdade artística um dos principais motivos para que tivesse renunciado ao conforto dos Genesis como apoio coletivo. A representação de personagens ímpares e distintas continua bem expressiva e resulta da criação de novos universos fantásticos e de abordagens que têm tanto de curioso como de óbvio; há por aqui momentos que ainda contêm alguma génese dos Genesis. 

Este é um trabalho pop, bem distante da complexidade progressiva dos Genesis, mas composto por estruturas muito bem elaboradas e pouco diretas que vão para além da habitual singeleza da música mais popular. Arranjos muito detalhados e as variadas abordagens estilísticas, criam ansiedade pelo que cada momento possa trazer. E se "Moribund, The Burgermeister" começa por indiciar alguma herança do passado, ela logo se perde na graciosidade estética da imortal "Solsbury Hill" e na sinceridade pop/rock de "Modern Love" e "Slow Burn". 

Mas este é realmente um trabalho bastante eclético, em que até é possível ouvir Robert Fripp a tocar banjo e Tony Levin a tocar tuba na representação da bem humorada abordagem dixie para "Excuse Me". O enredo de "Down The Dolce Vita" está totalmente envolvido pela dramática imponência da orquestra sinfónica de Londres, que intercala momentos com o vigor e destreza de uma guitarra funky, de essência rock. Por sua vez, o blues/jazz de "Waiting For The Big One" assenta numa estrutura estável capaz de proporcionar outro momento bem particular. Curiosamente, as músicas que encerram cada um dos lados da edição em vinil proporcionam os momentos de maior consciência musical. "Humdrum" é uma peça calculada e sensível, enquanto "Here Comes The Flood" preenche tudo à sua volta com o exalar de uma enormidade bem expressiva e emotiva, com direito a notável solo de guitarra por parte do convidado Dick Wagner.