quarta-feira, 30 de junho de 2021

Rapture - ANITA BAKER


1 Sweet Love   4:24
2 You Bring Me Joy (D. Lasley)   4:24
3 Caught Up In The Rapture (G. Glenn/D. Quander)   5:07
4 Been So Long   5:10
5 Mystery (R. Temperton)   4:56
6 No One In The World (K. Hirsch/M. Sharron)   4:10
7 Same Ole Love (M. McLeod & Darryl K. Roberts)   4:02
8 Watch Your Step   4:58

Um arranque falhado com um grupo local em Detroit, USA, denominado Chapter 8, com quem gravou em 1979 para a editora Ariola (que logo a seguir passou por um período de remodelação e deixou a banda para trás), conduziu então Anita Baker para outras paragens profissionais. Durante alguns anos manteve-se afastada da música até que em 1983 aceitou o desafio de gravar para a Beverly Glen Records, uma nova editora que emergia na altura. Esta parceria não obteve grandes êxitos mas atraiu a atenção da editora Elektra com quem Anita Baker gravou e editou o álbum "Rapture" em 1986 e obteve finalmente o devido reconhecimento artístico.     

Editado oficialmente como o segundo trabalho a solo de Anita Baker, "Rapture" manifesta-se como um trabalho consciente e bastante maduro, composto por canções de caráter romântico e impregnadas de uma boa dose de música soul, R&B e até mesmo de um cheirinho pop. A distinta postura vocal de Anita Baker sobressai pela projeção do seu timbre que mesmo não sendo macio transmite conforto e a plenitude de uma voz dinâmica que teve escola no gospel

As oito canções que compõem o registo revelam arranjos cuidados e várias dinâmicas desde, a poderosa e emocionante balada R&B "You Bring Me Joy", o detalhe jazz de "Been So Long" e a frescura de momentos como "Sweet Love", "No One In The World", "Same Ole Love" e "Watch Your Step" ou a requintada estrutura pop de "Caught Up In The Rapture" e a doce harmonia de "Mystery", duas músicas que contam com a participação de Michael Powell e David Washington, na guitarra e no baixo respetivamente, membros fundadores dos já referidos Chapter 8, assim como Vernon Fails nos teclados, também membro, na altura, da ex-banda de Anita Baker.

Neste mesmo ano, Anita Baker foi galardoada na 29ª edição dos prémios grammy com dois prémios, "Melhor performance vocal feminina R&B" com o álbum Rapture, e "Melhor canção R&B" com "Sweet Love".

Apesar do seu teor romântico não se deve julgar este registo como um trabalho maçudo e meloso. O álbum integra-se facilmente no que atualmente se designa como smooth jazz mas é suportado pela elegância, capacidade e firmeza de um bom trabalho técnico.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Earthquake Island - JON HASSELL


1 Voodoo Wind   9:38
2 Cobra Moon   4:54
3 Sundown Dance   4:52
4 Earthquake Island   10:18
5 Tribal Secret   3:51
6 Baliá   4:36
7 Adiós, Saturn   1:56

O trompetista norte americano Jon Hassell desenvolveu um conceito musical que denominou como "fourth world", uma espécie de globalização musical que passa pela unificação de uma sonoridade primitivo/futurista combinada através de elementos de música étnica com alguma eletrónica mais avançada. Em 1977, Jon Hassel revelava o conceito, pela primeira vez em disco, com o seu primeiro álbum a solo "Vernal Equinox", a que se seguiu, em 1979, este "Earthquake Island". A fusão de géneros era então uma prática corrente para alguns dos grupos de jazz da época mas Jon Hassell procurava estender o seu conceito de uma forma mais abstrata. 

Começa por ser inevitável uma comparação com a sonoridade dos Weather Report dos primeiros tempos, ainda para mais havendo aqui a colaboração do baixista Miroslav Vitous e do percussionista Dom Um Romão, dois dos elementos que integraram essa lendária formação. No entanto, Jon Hassell procura mover-se por outras latitudes e para tal recorre a uma particularidade técnica que desenvolveu em estudo com o músico Indiano Pandit Pran Nath, associada ao efeito de um harmonizer, o que lhe proporciona uma sonoridade algo exótica e distinta. Para além do trompete, Jon Hassell trabalha ainda com dois sintetizadores (Arp & Polymoog) com os quais cria uma ambiência minimalista para complementar o seu trabalho de improviso sobre a festividade que as percussões do brasileiro Naná Vasconcelos e do Indiano Badal Roy proporciona. Nesta sessões participaram também os dois guitarristas brasileiros Cláudio Ferreira e Ricardo Silveira, e a vocalista afro-americana Clarice Taylor.       

A audição deste trabalho é uma experiência alucinante que viaja abertamente por entre regiões desconhecidas e imaginárias. Uma mistura de composição vanguardista com jazz e ritmos africanos e médio-orientais, conduzida por Jon Hassell para uma jornada tão natural e simultaneamente hipnótica e transcendente, em que a multiplicidade étnica inebria e invade os sentidos; o som da terra, o ritmo da vida, a essência da cor e a dança dos cheiros. São as percussões que fazem este álbum sobreviver enquanto Jon Hassell se pronuncia como o elemento externo que procura a sua posição neste mundo fervilhante de ritmo. 

A sequência do álbum tem início com a excitante cadência de "Voodoo Wind", motivada pela inventividade de Naná Vasconcelos e pela participação vocal de Clarice Taylor. "Cobra Moon" denuncia-se por uma ambiência misteriosa que balanceia entre o baixo de Miroslav Vitous e as várias percussões de Naná Vasconcelos, Badal Roy e Dom Um Romão. Em "Sundown Dance" sente-se a subtileza das guitarras de Cláudio Ferreira e Ricardo Silveira para uma peça mais harmoniosa em que a base rítmica é sustentada por palmas. A suite "Earthquake Island" é composta por três secções que sugerem uma travessia envolta por várias sonoridades. "Tribal Secret" é o único momento deste álbum em que Jon Hassell não utiliza o seu trompete, limitando-se aos seus dois sintetizadores de onde retira demorados acordes, com Naná Vasconcelos e Badal Roy a sustentar a peça. "Baliá" torna-se num dos momentos de maior realce pela sua disposição estrutural com presença de praticamente todos os elementos, exceto a voz de Clarice Taylor que aqui é substituída pelo timbre grave de Naná Vasconcelos. "Adiós, Saturn" é uma curta despedida, com Clarice Taylor.     

Não é fácil sobreviver a esta demanda de Jon Hassell. Uma audição aberta, sensitiva e interessada será a melhor forma de absorver o exotismo do seu conteúdo.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Love Jones - JOHNNY "GUITAR" WATSON


Lado A
1 Booty Ooty   5:06
2 Love Jones   4:44
3 Going Up In Smoke   4:31
4 Close Encounters   6:35
5 Asante Sana   0:53
Lado B
1 Telephone Bill   4:45
2 Lone Ranger   6:32  
3 Jet Plane   3:38
4 Children Of The Universe   5:10

Apesar de venerado e referenciado por nomes maiores como Frank Zappa, Etta James ou Stevie Ray Vaughan e certamente uma das inspirações para Jimi Hendrix, Johnny "Guitar" Watson é um dos nomes subestimados dentro do panorama musical anglo-saxónico. 

Com origens nos blues, onde se evidenciou pela forma ousada como explorava a sua guitarra, Watson era um músico completo que para além de tocar piano e bateria, compunha, gravava e produzia os seus próprios trabalhos, tendo apenas de recorrer ao serviço de músicos de instrumentos de sopro, quando necessário, para completar as suas obras. Era também detentor de um registo vocal notável que quando aliado à solidez da sua expressividade musical proporciona uma combinação explosiva.

As mudanças de época e estilos fizeram com que Johnny "Guitar" Watson se fosse reinventado ao longo da sua carreira como meio de sobrevivência. Ao chegar à década de 70 percebeu que o funk dominava e logo se adaptou ao género. "Love Jones", editado em 1980, encaixa ainda neste período eletrizante em que Watson podia rivalizar com George Clinton e os seus P-Funk/Parliament.  

Um trabalho claramente dominado pelo espírito funk, com algumas infusões soul e R&B, em que Watson já não se destaca tanto pelo seu trabalho de guitarra, praticamente "limitado" à excelência de pontuais solos que ainda carregam a sua escola de blues, mas sim pela compleição do seu trabalho onde para além da evidência do seu empenho musical é notória a satisfação e a alegria com que Watson brinda as suas músicas. Uma conduta impecável e uma entrega divertida que também pretende divertir quem ouve e tirar o máximo partido da audição. 

O registo abre em grande ritmo com a boa disposição do pulsante funk de "Booty Ooty" a que se segue a quente balada soul/funk que dá título ao álbum, interpretada em dueto mas não há créditos que identifiquem a segunda voz. A excitante dinâmica funk regressa logo em "Goin' Up In Smoke" e daqui passa-se para a maravilhosa frescura do exotismo bossa nova de "Close Encounters", cuja introdução é feita por um scat irresistível e deveras cativante. O lado A encerra com "Asante Sana", uma espécie de cântico ritualista. 

O lado B começa com atenção redobrada para o precoce rap de "Telephone Bill", comumente referido como uma das primeiras gravações do género. "Lone Ranger" é uma recuperação mais desenvolvida de "I Don't Want To Be A Lone Ranger", que Watson editou em 1975, e contêm outro belo momento scat. "Jet Plane" é um blues com caraterísticas gospel (à la Ray Charles) e "Children Of The Universe" limita-se a encerrar o álbum em modo auto-biográfico. 

Não há créditos atribuídos no álbum mas as pesquisas revelam que o naipe dos sopros era constituído por Albert Wing, Bruce Fowler e Walt Fowler, que o produtor assistente Emry Thomas terá sido o baterista em "Booty Ooty" e Ron Brown o pianista em "Children Of The Universe". O restante trabalho foi gravado e produzido por Johnny "Guitar" Watson sozinho.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

10.Um - XIZ


1 A Tua Moral É Imoral   2:59   
2 Radio Está Ga Ga   3:07
3 Erros Meus, Erros Teus   2:34   
4 Deixar Limpo   3:06   
5 Relacionamentos Sãos   3:42
6 Tenho Um Segredo   2:38   
7 Ana Maior Que O Amor   1:59
8 2 Que Não Sabem Dançar   2:53
9 O Que Me Falta Fazer   3:40      
10 Animais Soltos   2:56
11 Sais Às Dezoito   3:00
12 Continua A Falar   3:21      
13 Escrever Canções   1:50

Manolo é o nome pelo qual o baixista português Ângelo Cardoso é carinhosamente reconhecido dentro do circuito musical de Leiria, arredores e mais além. Um resistente do circuito das denominadas bandas de bares, caminho que percorre há muitos anos, Manolo é um músico experiente que apesar de estar ligado às covers gosta de criar a sua própria música e conta ainda com diversas passagens por bandas de originais e uma notória participação, com a banda Bar-A-Bar, na gravação do álbum "Alta Vai A Lua" do ex-Jáfu'mega Luís Portugal, em 1995.

Há tantos anos a tocar as "músicas dos outros"; a ambição de ter o seu próprio trabalho foi crescendo naturalmente mas faltava uma ocasião que proporcionasse o momento ideal para uma dedicação mais intensa à sua música. Em 2020, o ano da pandemia causada pela propagação do novo coronavírus SARS-COV-2, as atividades musicais como concertos em bares, festivais, salas de espetáculo ou estádios foram forçadas a parar totalmente e Ângelo Cardoso viu aqui a oportunidade de fazer, finalmente, o que tinha de ser feito. Uma vez que não havia possibilidade de tocar ao vivo pôde dedicar-se, em casa, à criação do seu próprio trabalho, para o qual assumiu a nova denominação Xiz (o i é invertido).  

É desta forma que surge o álbum 10.UM. Uma edição de autor em 2021, com treze músicas originais, todas escritas em Português, que se movem entre a carga do rock mais ligeiro, com tendência pop, algum teor crítico e pontuais piscadelas de olho à sonoridade bossa nova. Xiz assume a interpretação vocal, o baixo, a guitarra ritmo e os teclados em grande parte das músicas mas conta ainda com o precioso auxílio de várias colaborações, requisitadas a habituais parceiros de palco e de outras aventuras.    

O registo apresenta-se com uma estrutura musical muito direta, é notória a quase ausência do formato convencional verso-refrão-verso, tal como direta é também a sua abordagem lírica. Xiz canta sobre desilusões quotidianas como a indignação política de "A Tua Moral É Imoral", o desgaste radialista de "Radio Está Ga Ga" ou a má-língua em "Continua A Falar", é ecológico em "Deixar Limpo" e "Animais Soltos", sabe ser divertido em "2 Que Não Sabem Dançar", enamorado em "Ana Maior Que O Amor" e homenageia os colegas que, como ele, fazem da música um prazer pós-laboral em "Sais Às Dezoito". Em suma há de tudo um pouco.

Musicalmente, há por aqui muito boas ideias mas algumas músicas denunciam-se precipitadas. Um pouco mais de detalhe ou cuidado podiam ter melhorado momentos como "Radio Está Ga Ga", "Erros Meus, Erros Teus", "Relacionamentos Sãos", "Tenho Um Segredo", "Sais Às Dezoito" e "Escrever Canções", que até daria um bom rap certamente.

As peças mais sugestivas encontram-se no dinamismo de "A Tua Moral É Imoral", na cristalinidade latina de "Deixar Limpo" e na alegria pop de "O Que Me Falta Fazer" mas o destaque absoluto vai para o delicioso sabor latino de "2 Que Não Sabem Dançar" e para a firmeza de "Continua A Falar" que são manifestamente as músicas mais completas e bem conseguidas desta edição.   

Interessante também a abordagem que Xiz faz para intimidade maior de uma bonita dedicação em "Ana Maior Que O Amor" e no manifesto ecológico "Animais Soltos", duas composições em que assume sozinho toda a interpretação.

No final fica a promessa de que haverá um upgrade com 10.DOIS.