sábado, 30 de dezembro de 2023

La Folie - THE STRANGLERS


  Lado A
1 Non Stop (The Stranglers)   2:28
2 Everybody Loves You When You're Dead (The Stranglers)   2:41
3 Tramp (The Stranglers)   3:06
4 Let Me Introduce You To The Family (The Stranglers)   3:06
5 Ain't Nothin' To It (M. Mezzrow/The Stranglers)   3:58
6 The Man They Love To Hate (The Stranglers)   4:19
  Lado B
1 Pin Up (The Stranglers)   2:49
2 It Only Takes Two To Tango (The Stranglers)   3:37
3 Golden Brown (The Stranglers)   3:28
4 How To Find True Love And Happiness In The Present Day (The Stranglers)   3:05
5 La Folie (The Stranglers)   6:09

Os Stranglers de 1981 parecem ser uma versão tímida e comedida deles próprios. A desmesurada energia que caraterizava a rebeldia inicial destes britânicos, através de uma atitude punk pronunciada mas musicalmente mais evoluídos, afigura-se aqui arremetida por algum amadurecimento mas não nos deixemos enganar por falsas aparências. Editado em 1981, como o sexto álbum de estúdio, 'La Folie' é um trabalho espevitado por alguma alienação, totalmente absorvido pela corrente estética da new wave, e preenchido com uma inteligente diversidade de abordagens musicais imaginativas, habilmente estruturadas, em que os teclados de Dave Greenfield assumem uma posição dominante e bem frontal.

Mesmo evidenciado a clareza de alguma influência pop, a postura engenhosa e penetrante dos Stranglers permanece bem peculiar e aguçada. Surgem subtilmente acessíveis em "Non Stop", "Tramp" e "Pin Up", mas tudo gira em torno de uma diversão ácida que corrói a simpatia estrutural destas músicas. Tudo fica mais evidente com a atração demoníaca de "The Man They Love To Hate", a ironia de "Everybody Loves You When You're Dead" ou a causticidade de "It Only Takes Two To Tango", em modo minimal, e prossegue com a genica de "Let Me Introduce You To The Family", um momento à la Devo em "Ain't Nothin' To It", glamour da textura barroca do single "Golden Brown" e um interessante jogo rítmico em "How To Find True Love And Happiness In The Present Day". Depois, o final dá-se sob a soturnidade de uma peça enigmática, em francês, que dá o título ao álbum.

Como registo discográfico, 'La Folie' é uma consequência original de momentos díspares que acabam por se manter numa relação muito própria, assente numa cumplicidade estética e intelectual. Os Stranglers eram uma banda experiente e bem distinta perante o panorama geral da música pop/rock à época e tinham capacidade para manter a sua dignidade sem ceder à pressão comercial. Este é um trabalho algo invulgar, dentro do seu género, que necessita de mais alguma atenção para se alcançar a sua verdadeira essência.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

No More Heroes - THE STRANGLERS


  Lado A
1 I Feel Like A Wog (The Stranglers)   3:16
2 Bitching (The Stranglers)   4:25
3 Dead Ringer (The Stranglers)   2:46
4 Dagenham Dave (The Stranglers)   3:19
5 Bring On The Nubiles (The Stranglers)   2:15
6 Something Better Change (The Stranglers)   3:35
  Lado B
1 No More Heroes (The Stranglers)   3:27
2 Peasant In The Big Shitty (The Stranglers)   3:25
3 Burning Up Time (The Stranglers)   2:23
4 English Towns (The Stranglers)   2:12
5 School Mam (The Stranglers)   7:05

Os Stranglers eram já uma banda com um passado quando em 1977 editaram os dois primeiros álbuns; 'Rattus Norvegicus', em Abril, e este 'No More Heroes', em Setembro. O movimento punk estava no seu auge, 'Never Mind the Bollocks Here's the Sex Pistols' saiu para as lojas em Outubro desse mesmo ano, mas os britânicos Stranglers estavam intrometidos no caminho com uma distinta irreverência e com uma conduta rebelde e uma atitude anti-herói, tal como o seu manifesto segundo álbum de originais reivindica. Podiam não o ser musicalmente mas é caso para dizer que os Stranglers já detinham algo de punk antes do próprio movimento explodir. No entanto, a banda nunca se identificou com o punk nem chegou a ser associada como tal.

A capacidade de produtividade musical dos Stranglers marcava logo alguma diferença para com grande parte das bandas suas contemporâneas. Canções curtas e rápidas, como quase todos faziam na altura, mas consistentes, decisivas e diretas, mantendo uma linha de trabalho que assentava na firmeza do coletivo, como resultado de uma afirmação musical própria e esclarecida. O rock dos Stranglers escorrega pelas vertentes de uma pop nebulosa e escorre ativamente na rigidez de uma agressividade pronunciada, esteticamente provocadora e desafiante. 

A distinta sonoridade dos Stranglers sobressaía de dois elementos em particular: a nuance de Dave Greenfield nas teclas lembra, por vezes, o registo de Ray Manzarek nos Doors, mas as dinâmicas são bem distintas, tal como a música em si, e a constante presteza do baixista J. J. Burnel, sempre a "picar" o baixo, evidenciam-se bem ao longo de todo o registo. O alinhamento roça pelos meandros do psicadelismo com "Peasant In The Big Shitty", soa algo alienado em "Bring On The Nubiles" e surge bem mais ousado em "School Mam", mantendo-se uma sequência equilibrada com as restantes faixas, onde ainda se pode realçar o single "No More Heroes".

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Still Life - VAN DER GRAAF GENERATOR


  Lado A
1 Pilgrims (Hammill/Jackson)   7:01
2 Still Life (Hammill)   7:16
3 La Rossa (Hammill)   9:41
  Lado B
1 My Room (Waiting For Wonderland) (Hammill)   7:54
2 Childlike Faith In Childhood's End (Hammill)   12:12

Nome incontornável no movimento de rock progressivo britânico, os Van Der Graaf Generator são no entanto uma referência à parte no género por deterem uma personalidade coletiva muito própria e pouco reveladora dos seus intentos como banda, ao ponto de não se sentirem confortáveis com a associação a este género musical. A instabilidade como banda foi uma constante desde o seu início, em 1967, e seria no decorrer da década de 1970 que os Van Der Graaf Generator conheceriam um período de maior produtividade, com a edição de alguns registos notáveis, onde se inclui este 'Still Life' de 1976.

Esta é uma obra de caráter particular, que emana de uma entidade muito própria, cujas dimensões artísticas perpassam o estigma do rock para atingir desígnios intelectuais e filosóficos, aproximando-se assim da sensibilidade emotiva da representação teatral. É aqui que entra a incrível personagem de Peter Hammill; a voz, imagem e liderança do grupo, desde sempre. Uma figura única e bastante admirada no universo da música progressiva cujas qualidades como autor e intérprete são incontestáveis e marcantes. É claramente a sua postura que define a sonoridade complexa e cerebral dos Van Der Graaf Generator. Para reforçar ainda mais o caráter particular desta formação, ela complementa-se com Hugh Banton, no orgão e pedais de baixo, Guy Evans, na bateria, e David Jackson, saxofone soprano, alto e tenor, e flauta. Peter Hammill também toca piano e guitarra em algumas secções. Outra imagem de marca da banda era o saxofonista David Jackson a tocar com dois saxofones ao mesmo tempo.

As cinco peças originais que compõem o alinhamento de "Still Life" sobrevivem no constante dramatismo de uma intensidade musical expressa em férteis encenações racionais, e pouco convencionais, que evoluem através do primor de uma estrutura vigorosa em que a métrica é ditada pelo resoluto andamento dos longos textos de Peter Hammill. "My Room (Waiting For Wonderland)" é a peça mais cativante do registo, com uma melodia fácil de apanhar, que flutua serenamente entre o canto grave de Peter Hammill e o sax soprano de David Jackson até entrar numa aparente catarse musical, mas o verdadeiro sentido artístico deste trabalho encontra-se realmente exposto no restante alinhamento. A consciente ponderação inicial sob a insígnia de "Pilgrims" e "Still Life" é deliciosa e abrangente, o dissoluto vigor de "La Rossa" proporciona a relevância do momento mais dinâmico sendo no entanto na desembaraçada complexidade de "Childlike Faith In Childhood's End" que se revela a verdadeira essência do álbum.

domingo, 12 de novembro de 2023

Abraxas - SANTANA

 

  Lado A
1 Singing Winds, Crying Beasts (M. Carabello)   4:49
2 Black Magic Woman/Gypsy Queen (P. Green/G. Szabo)   5:19
3 Oye Como Va (T. Puente)   4:15
4 Incident At Neshabur (A. Gianquinto/C. Santana)   4:57
  Lado B
1 Se A Cabo (C. Areas)  2:46 
2 Mother's Daughter (G. Rolie)   4:25
3 Samba Pa Ti (C. Santana)   4:43
4 Hope You're Feeling Better (G. Rolie)   4:10
5 El Nicoya (C. Areas)   1:29  

Em 1970, com a edição do segundo álbum de originais, 'Abraxas', o coletivo Santana confirmava o fragor do seu rock de exuberância latina com um registo vibrante e espiritual em que a essência dos estilos se funde numa convergência de riqueza rítmica, excitantes riffs de orgão (Hammond B3) e a eletrizante e sedutora sonoridade da guitarra de Carlos Santana. Esta é uma linhagem de tonalidades exóticas cujas fragrâncias sonoras cativam pela espontaneidade.   

Trata-se de um registo manifestamente aberto à alegria e prazer de fazer música, seja rock, jazz, blues ou salsa. A vividez de uma aura contagiante de boa onda expande-se ao longo de todo o disco transmitindo o conforto de uma quente envolvência e estimulando a divina entrega musical do ouvinte, numa pura rendição de alma e espírito perante tal revelação artística.

O alinhamento de 'Abraxas' contém quatro peças instrumentais e quatro vocalizadas, não incluindo "El Nicoya" por ser um curto apontamento que encerra o registo em modo de percussão e voz. 

O início dá-se com "Singing Winds, Crying Beasts", através de uma calculada correnteza de sons envolventes que conduzem à notável e distinta leitura que a alma latina dos Santana fez de "Black Magic Woman/Gypsy Queen", 'fusão' de duas músicas, escritas por Peter Green e Gabor Szabo, respetivamente, que alcançaram ainda mais notoriedade com esta adaptação do que nas suas versões originais. "Oye Como Va" é também alvo de uma adaptação (música original de Tito Puente) que se tornou instantaneamente num clássico para os Santana através de uma exemplar versão rock que mantém vivo o seu carisma latino original e cujo teor se faz também sentir nos originais "Se A Cabo" e "El Nicoya". A verdadeira 'aspereza' do rock começa por se fazer sentir com uma vaga aparição em "Incident At Neshabur" mas acaba por se conter, evoluindo para uma vertente progressiva. A escaldante genuinidade rock do registo chega com as duas composições do teclista Gregg Rolie, "Mother's Daughter" e "Hope You're Feeling Better", em que o mesmo assume também as vozes. O solo de guitarra "Samba Pa Ti" é outro dos pontos altos desta obra e ficou para a história como uma das imagens de marca de Carlos Santana.     

Notável também o trabalho gráfico que ilustra a capa do disco, da autoria de Abdul Mati Klarwein. Artista francês de origem alemã que também ilustrou outras capas de discos, como por exemplo 'Bitches Brew" de Miles Davis. A maravilhosa pintura que ilustra a capa de 'Abraxas' data de 1961, tem o título de 'Anunciation', e pertence a um conjunto de 68 pinturas que representam algumas passagens bíblicas.

Deixemo-nos pois enfeitiçar pelo maravilhoso e espiritual mundo de 'Abraxas'.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Live In Tokyo - WEATHER REPORT - CD02


1 Orange Lady (J. Zawinul)   18:10
2 Medley:                              13:42
   Eurydice (W. Shorter)
   The Moors (W. Shorter)
3 Medley:                              10:26
   Tears (W. Shorter)
   Umbrellas (W. Shorter/J. Zawinul)

As composições que integram o alinhamento do segundo CD são menos intensas e apoiam-se numa estrutura de improvisação mais espaçada e arrastada em que "Orange Lady" é um bom exemplo do quanto a espontaneidade e a inventividade destes músicos se pode expandir através da interpretação de uma música apenas. O jazz que estes Weather Report exploram tem ritmo e muito espaço de progressão, caraterizando-se como uma viagem pelos meandros da improvisação genérica mas segura e calculada nas mãos de músicos extraordinários. 

As pequenas diferenças de estilo que caraterizam cada um destes cinco músicos, potenciam a pluralidade de caminhos para explorar e atestam a sonoridade dos Weather Report com uma diversidade musical bastante rica mas este é ainda um período de descoberta, marcado por alguma instabilidade musical que ganha uma grande relevância com uma notável entrega e criatividade para se fazer música de forma tão natural e espontânea. 

As músicas expressam-se na continuidade de diálogos constantes em que os saxofones de Wayne Shorter e o contrabaixo de Miroslav Vitous são os intervenientes mais expansivos na formação, sendo também eles os elementos que mais se aproximam da linguagem do jazz, enquanto Joe Zawinul representa a componente elétrica da banda, surgindo por algumas vezes com intervenções explosivas que quebram alguns momentos incógnitos mas parece estar aqui mais focado na gestão do concerto. O impulsionante dinamismo da recente secção rítmica é engrenado pelo fator funky do baterista Eric Gravatt e pela destreza incrível do percussionista brasileiro Dom Um Romão, que se revela como uma inesgotável caixinha de surpresas. Romão é imparável nas suas intervenções, sempre com sons novos que surgem das formas mais inesperadas.

É um registo incansável onde a fusão não é ainda fusão mas já vive da fusão da combinação destes cinco elementos, com uma unidade musical que transgride com as regras para impor uma liberdade de execução, com conhecimento e leveza artística, e com o intuito de conduzir a sua música numa nova direção.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Live In Tokyo - WEATHER REPORT - CD01

 

1 Medley:                                              26:09
   Vertical Invader (J. Zawinul)
   Seventh Arrow (M. Vitous)
   T.H. (M. Vitous)
   Doctor Honoris Causa (J. Zawinul)
Medley:                                              19:18
   Surucucu (W. Shorter)
   Lost (W. Shorter)
   Early Minor (J. Zawinul)
   Directions (J. Zawinul)

Gravado ao vivo em Janeiro de 1972, no Shibuya Philharmonic Hall, em Tóquio, o registo capta a essência da magia dos Weather Report ao vivo nos seus primórdios. Trata-se de uma reedição, em formato CD duplo, relativa ao duplo álbum editado em vinil, nesse mesmo ano, exclusivamente para o mercado discográfico Japonês

Com apenas um álbum editado, à data, e prestes a concluir um segundo trabalho, que acabaria por ser finalizado com algumas peças retiradas desta mesma gravação, a prestação dos Weather Report revela um coletivo plenamente solto na sua demanda por uma sonoridade que cortasse de vez com o passado e o respeito mútuo com que estes cinco elementos partilham o mesmo espaço de improvisação, no qual se iam conhecendo e ganhando coesão como grupo. Esta é a matriz de uma banda que não estava ainda bem definida mas que sabia deter a capacidade, a experiência e os meios ideais, para explorar novo território sem receios.

Atuando perante um público de que desconheciam os hábitos, os Weather Report decidiram "atacar forte logo de início" de forma a prender a atenção de uma audiência que tinham como delicada. Tendo em conta que o seu repertório não era ainda muito vasto, a banda focou-se completamente na improvisação como forma para rentabilizar esta distinta atuação resultando daí, provavelmente, que o alinhamento seja composto por longos medleys que unem as várias composições através de uma versada liberdade de execução que roça a periferia do free jazzA prestação dos músicos divide-se por apontamentos curtos e indefinidos, em que todos intervêm, criando cada um o seu próprio espaço e mantendo a estabilidade da estrutura de improvisação sob o estilo de cada um.

O primeiro medley inicia com um solo de bateria de Eric Gravatt a que corresponde a entrada sequencial, sem ordem específica, dos restantes elementos em cena, que logo agarram o tema e seguem para uma abordagem que vagueia entre duas composições de Joe Zawinul e de Miroslav Vitous, respetivamente. "Seventh Arrow" é a peça central deste medley que inclui ainda uma distinta passagem por "T.H.", um momento peculiar no qual o contrabaixista Miroslav Vitous parece utilizar um baixo elétrico com efeito. Este medley está também incluído no alinhamento do segundo álbum oficial dos Weather Report (I Sing the Body Electric) mas foi editado para uma versão de 10:10 que não inclui "Seventh Arrow".

O segundo medley inicia com duas composições de Wayne Shorter e fecha com duas composições de Joe Zawinul, a outra metade dos Weather Report. Wayne Shorter aparece imparável neste medley através de uma prestação contínua no sax-soprano, o instrumento que ele mais vai explorar com a banda. Os diálogos sucedem-se ao longo da improvisação com uma coordenação de elementos precisa e notável em que todos parecem saber devidamente o seu lugar. As peças "Surucucu" e "Directions", que protagonizam o início e o fim deste medleysurgem também em modo editado no já atrás mencionado segundo álbum oficial dos Weather Report (I Sing the Body Electric). 

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Steps Ahead - STEPS AHEAD

 

1 Pools (D. Grolnick)   11:14
2 Islands (M. Mainieri)   6:24
3 Loxodrome (E. Gomez)   5:25
4 Both Sides Of The Coin (M. Brecker)   6:10
5 Skyward Bound (M. Mainieri)   4:03
6 Northern Cross (P. Erskine)   5:49
7 Trio (An improvisation) (M. Brecker/E. Gomez/M. Mainieri)   7:31

Formados inicialmente, em 1979, como um grupo para curtir umas sessões ao vivo no bar nova-iorquino '7th Avenue South', pertença dos irmãos Randy e Michael Brecker, os Steps eram compostos por um naipe de músicos extraordinários, sob liderança do vibrafonista Mike Mainieri. O grupo completava-se com músicos distintos e de elevado calibre, como o contrabaixista Eddie Gomez, o saxofonista Michael Brecker, o pianista Don Grolnick e o baterista Steve Gadd. Eram estes os Steps originais, que depois de gravarem três álbuns, apenas editados para o mercado japonês, se tornariam nos Steps Ahead, com uma formação renovada em que Don Grolnick e Steve Gadd foram respetivamente substituídos por Eliane Elias e Peter Erskine. A alteração do nome deveu-se simplesmente a questões de direito autoral relativamente ao nome Steps, já legalizado por uma banda da Carolina do Norte, mas acaba por ajudar a distinguir as duas fases iniciais da banda.   

A orientação inicial dos Steps passava por manter a rigorosidade de uma sonoridade essencialmente acústica, a alma do jazz, que fluía de forma tão natural e espontânea através da fusão dos estilos que caraterizavam cada um destes músicos. O grupo optou por manter a mesma estética neste registo de 1983, o primeiro já como Steps Ahead - título homónimo e o sub-título "introducing Eliane Elias" - que acaba por servir de ponte para a posterior fase elétrica. 

'Steps Ahead' é pois um registo praticamente acústico. A exceção recai apenas no uso subtil de algum processamento de sintetizador no vibrafone de Mike Mainieri, efeito mais percetível em "Trio", a faixa improvisada, com algum caráter vanguardista e de música de câmara, que encerra o álbum de forma bem distinta. De resto, o álbum sobressai por apresentar uma dinâmica excitante, mercê da elevada qualidade técnica e empenho destes músicos, que remete o ouvinte para o nível de energia e vigor da música eletrificada. É um trabalho estupendo, sem momentos enfadonhos ou que possam causar algum desinteresse momentâneo. 

O registo inicia com a apelativa "Pools", herança de Don Grolnick, e logo se percebe que Michael Brecker, Eddie Gomez e Peter Erskine estão endiabrados, enquanto que Mike Mainieri se mantém atento e fluído nas lâminas e Eliane Elias parece estar reservada nalguma timidez a aguardar o momento de se mostrar. E é com a sequência das duas músicas seguintes, no aroma latino de "Islands" e no swing desenvolto de "Loxodrome", que Eliane Elias recebe algum espaço para soltar o seu charme e enquadrar definitivamente na dinâmica do grupo. "Loxodrome" flui numa torrente estonteante de jazz sob o predominante andamento da possante secção rítmica, sensação que reaparece em "Northern Cross", uma composição da autoria de Peter Erskine que sobressai pelos mesmos motivos. Em "Both Sides Of The Coin", Michael Brecker demonstra estar ao seu melhor nível através da primorosa e desembaraçada execução de uma peça de sua autoria. Em "Skyward Bound" percebe-se a excelência de uma balada límpida e muito bem delineada nas delirantes vibrações das lâminas de Mike Mainieri. O registo encerra com o sabor deveras especial da distinta "Trio", já atrás referida.

Jazz moderno, refrescante e disciplinado, com personalidade e capacidade para cativar audiências alguns passos mais à frente.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Goo - SONIC YOUTH

 

1 Dirty Boots (Sonic Youth)   5:24
2 Tunic (Song For Karen) (Sonic Youth)   6:17
3 Mary-Christ (Sonic Youth)   3:08
4 Kool Thing (Sonic Youth)   4:04
5 Mote (Sonic Youth)   7:36
6 My Friend Goo (Sonic Youth)   2:18
7 Disappearer (Sonic Youth)   5:08
8 Mildred Pierce (Sonic Youth)   2:12
9 Cinderella's Big Score (Sonic Youth)   5:50
10 Scooter + Jinx (Sonic Youth)   1:00
11 Titanium Expose (Sonic Youth)   6:26

A cumprirem praticamente dez anos de uma carreira autónoma e intensamente radical pelos meandros musicais mais alternativos da década de 1980, os norte-americanos Sonic Youth assinavam por uma grande editora, a Geffen, em 1990. Num ato de inteligência, a banda tinha a clara noção de que possuía a experiência e historial suficiente para enfrentar as condições de uma grande corporação discográfica que os podia suportar mesmo sabendo que não eram uma banda comercial mas que no entanto poderiam trazer outros contributos artísticos e comerciais para a editora. (Foram os Sonic Youth quem encaminhou os Nirvana para o catálogo da DGC (David Geffen Company), companhia subsidiária da Geffen Records, cujo álbum 'Nevermind' permanece ainda como o registo mais vendido da editora.)     

O que para muitos seria visto como uma traição, para os próprios Sonic Youth era encarado como um novo e aliciante desafio para a sua dignidade ao ponto deles próprios formarem uma questão: Até que ponto seria, uma produção sustentada por valores monetários bem mais elevados, capaz de afetar o som, nada convencional, da banda?

Os Sonic Youth nunca renegaram as suas 'origens' no wave, estilo nascido e estabelecido em Nova Iorque, nos finais da década de 1970, determinado em cortar todas as ligações com a tradição do rock'n roll. Afinações alternativas, feedback, dissonância e ruído, caraterizam a sua sonoridade desde sempre mas a harmonia foi progredindo naturalmente, nomeadamente ao nível vocal, e em 1990 os Sonic Youth eram mais acessíveis mas souberam manter-se impressionantemente dissonantes e irresistíveis. São estas as caraterísticas que se encontram em 'Goo', oficialmente registado como o sétimo álbum da banda em estúdio.  

Em 'Goo', os Sonic Youth permanecem firmes no universo musical criado pelo imenso poderio da perfeita combinação das guitarras de Thurston Moore e Lee Ranaldo, que provocam o efeito de uma envolvência delirante, sustentada numa estrepitante amálgama de dissonâncias produzidas por uma das duplas mais radical na forma de explorar a mecânica do som. É neste ponto que os Sonic Youth se separam do punk, onde buscam alguma da sua atitude. A música dos Sonic Youth é inteligente e muito mais complexa e expansiva do que o punk

"Mary-Christ" e "My Friend Goo" aproximam-se bastante do formato da canção punk - curta, direta e fácil - "Mildred Pierce" e "Scooter + Jinx" são dois apontamentos instrumentais, de caráter sombrio e algo corrosivo, mas a verdadeira força do registo encontra-se bem vincada no restante alinhamento. "Tunic", um tributo escrito pela baixista Kim Gordon a Karen Carpenter, "Kool Thing", que inclui uma intervenção do rapper Chuck D dos Public Enemy, "Mote" e "Disappearer", são peças ácidas e fundamentais na identificação da sonoridade 'atual' dos Sonic Youth, a que se juntam "Dirty Boots", que mereceu algum destaque como single, "Cinderella's Big Score", que expõe algum regresso ao passado, enquanto "Titanium Expose" soa menos impactante, mas não menos importante, pelo que tem uma presença algo discreta perante o restante alinhamento.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Flesh + Blood - ROXY MUSIC


  Lado A
1 Midnight Hour (Cropper/Pickett)   3:11
2 Oh Yeah (Ferry)   4:50
3 Same Old Scene (Ferry)   3:00
4 Flesh And Blood (Ferry)   3:00
5 My Only Love (Ferry)   5:00
  Lado B
1 Over You (Ferry/Manzanera)   3:30
2 Eight Miles High (Clark/Crosby/McGuinn)   4:52
3 Rain Rain Rain (Ferry)   3:18
4 No Strange Delight (Ferry/Manzanera)   4:45
5 Running Wild (Ferry/Manzanera)   5:18

'Flesh + Blood' foi editado em 1980, como sendo o sétimo álbum de estúdio para os britânicos Roxy Music. A banda vinha passando por algumas metamorfoses, acentuadas a partir do álbum 'Siren', em 1975, e parecia estar a tornar-se num projeto pessoal de Bryan Ferry - este é mesmo o primeiro registo dos Roxy Music em que a banda gravou versões, "In The Midnight Hour", de Wilson Pickett, e "Eight Miles High", dos Byrds, algo que Brian Ferry fazia com certa frequência nos seus trabalhos a solo.  

No entanto, é natural que os Roxy Music quisessem acompanhar as tendências e seguissem naturalmente o seu próprio caminho. Se no registo anterior - 'Manifesto' - a influência disco ganhou algum terreno, agora chegava a vez dos Roxy Music provarem um pouco do estilo que os tinha como uma das suas principais referências, a new wave.    

Não deixa de ser estranho ouvir um álbum dos Roxy Music a iniciar com uma versão para um clássico como "In The Midnight Hour" mas a elegância da sua abordagem encaixa a música na envolvência de uma nova atmosfera e estilo que transporta o esplendor de toda a sua essência para o tempo corrente, e o mesmo se aplica na versão para "Eight Miles High". Para além das versões, o registo confirma a estabilidade e a confiança com que Bryan Ferry, Andy McKay e Phil Manzanera - os únicos elementos da formação original - tratavam a leveza, o requinte e a acessibilidade, do delicado exotismo da sua 'nova sonoridade'. 'Flesh + Blood' proporcionou ainda três singles admiráveis - "Oh Yeah", "Same Old Scene" e "Over You" - e músicas deliciosas como a inebriante "My Only Love" e o misterioso fascínio de "No Strange Delight". 

A relevante proximidade das faixas "Flesh And Blood" e "Rain Rain Rain" com a sonoridade dos igualmente britânicos Japan, dignos herdeiros da sonoridade Roxy Music, não passa aqui despercebida e reforça uma mútua influência. O single "Same Old Scene" carrega algum teor das origens dos Roxy Music e "Running Wild" mantém a tradição da habitual balada de despedida.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

The Falcon And The Snowman - ORIGINAL SOUNDTRACK


1 Psalm 121/Flight Of The Falcon (P. Metheny/L. Mays)   4:08
2 Daulton Lee (P. Metheny/L. Mays)   5:56
3 Chris (P. Metheny/L. Mays)   3:16
4 "The Falcon" (P. Metheny/L. Mays)   4:59
5 This Is Not America (D. Bowie/P. Metheny/L. Mays)   3:53
6 Extent Of The Lie (P. Metheny/L. Mays)   4:15
7 The Level Of Deception (P. Metheny/L. Mays)   5:45
8 Capture (P. Metheny/L. Mays)   3:57
9 Epilogue (Psalm 121) (P. Metheny/L. Mays)   2:14

A banda sonora original do filme "The Falcon and the Snowman" de John Schlesinger, editada em 1985, foi composta pelo guitarrista de jazz Pat Metheny e pelo pianista Lyle Mays - os dois elementos que compõem o núcleo do Pat Metheny Group. As peças são todas executadas pelo grupo, contando ainda com relevantes prestações do Ambrosian Choir, para o cântico "Psalm 121", que abre o registo e o filme, e da National Philharmonic Orchestra, dirigida por Steve Rodby, o baixista do Pat Metheny Group, para algumas peças mais complexas, destinadas a interagir com enquadramentos específicos de sequências do filme. E depois, há o episódio David Bowie ...

Mesmo carregando a especificidade de se tratar de uma banda sonora, o registo enquadra-se muito facilmente no trabalho do Pat Metheny Group à data. A formação do grupo é a mesma que gravou o álbum 'First Circle', anterior a esta sessão, e capta o coletivo em fase de transição de editora e no início de uma nova fase em que a sua sonoridade iria partir para uma abrangência mais latina, mas as músicas que compõem esta banda sonora carregam a harmonia de uma atmosfera ambiental/fusão, cuidada e acessível, prontas para servir os requisitos de John Schlesinger para com o seu filme.
    
Com exceção para as músicas "Extent Of The Lie", "The Level Of Deception" e "Capture", peças que denunciam algum caráter mais detalhado e cinematográfico, e que foram gravadas com a National Philharmonic Orchestra, as restantes composições podiam estar no alinhamento de um álbum de originais do Pat Metheny Group. Mas a peça central de toda a banda sonora é "Chris", a composição que dá depois a origem a "This Is Not America", na voz de David Bowie, e que reaparece momentaneamente em "The Falcon" e "Capture".

O moderado sucesso do single "This Is Not America", Top 40, teve o dom de recuperar alguma credibilidade para David Bowie, que por esta altura atravessava a fase artística menos apreciada de toda a sua carreira, e de expor o Pat Metheny Group a outras audiências que não as do jazz. No entanto, o envolvimento de David Bowie nesta sessão permanece, ainda hoje, algo incógnito - o facto nem aparece mencionado nas suas biografias. Segundo testemunho do próprio Pat Metheny, terá sido Schlesinger, o realizador, quem teve a ideia de levar Bowie à sessão de gravação. Depois de assistirem a uma projeção do filme, durante a qual Bowie foi retirando alguns apontamentos que no final se revelaram como títulos de músicas, o título "This Is Not America" saltou aos olhos de John Schlesinger e o single seria depois gravado numa outra sessão em Montreux, Suíça, com o Pat Metheny Group. 

O filme nunca obteve grande reconhecimento mas a banda sonora permanece como um documento válido na distinta carreira do Pat Metheny Group.

domingo, 6 de agosto de 2023

The Concerts In China - JEAN-MICHEL JARRE


1 The Overture (Jean-Michel Jarre)   4:47
2 Arpegiator (Jean-Michel Jarre)   6:51
3 Equinoxe IV (Jean-Michel Jarre)   7:39
4 Fishing Junks At Sunset (Jean-Michel Jarre)   9:35
5 Band In The Rain (Jean-Michel Jarre)   1:23
Equinoxe VII (Jean-Michel Jarre)   9:52
7 Orient Express (Jean-Michel Jarre)   4:21
Magnetic Fields I (Jean-Michel Jarre)   0:28
9 Magnetic Fields III (Jean-Michel Jarre)   3:48
10 Magnetic Fields IV (Jean-Michel Jarre)   6:43
11 Laser Harp (Jean-Michel Jarre)   3:26
12 Night In Shanghai (Jean-Michel Jarre)   7:01
13 The Last Rumba (Jean-Michel Jarre)   2:03
14 Magnetic Fields II (Jean-Michel Jarre)   6:19
15 Souvenir Of China (Jean-Michel Jarre)   4:00

Em Outubro de 1981, o francês Jean-Michel Jarre tornava-se no primeiro músico ocidental a ser oficialmente convidado para atuar na China pós-Maoísta. Um convite governamental para Jean-Michel Jarre se apresentar ao vivo em cinco concertos de arena fechada, duas datas em Pequim e três em Xangai, com a majestosidade do seu espetáculo de música eletrónica. A audiência da primeira data compunha-se exclusivamente por elementos das forças militares Chinesas, facto que levou Jean-Michel Jarre a distribuir bilhetes à população, nas ruas, para que também tivessem oportunidade de assistir às próximas datas da sua atuação. 

À data, a maquinaria necessária para um espetáculo de música eletrónica desta envergadura envolvia uma grande parafernália de sintetizadores, sequenciadores, módulos e outros 'artefactos' semelhantes. Para a manipulação de todo este equipamento em palco, Jean-Michel Jarre levou três músicos de apoio para que as atuações fossem tocadas integralmente ao vivo; Frédéric Rousseau e Dominique Perrier partilharam os sintetizadores e Roger Rizzitell encarregou-se da percussão ... eletrónica. Não houve utilização de qualquer instrumento acústico em palco, percussão incluída.       

A espetacularidade do concerto envolvia, para além da música, uma grandiosa exibição de efeitos de luz e de raios laser mas o foco desta resenha é mesmo a música em si. Para esta pequena e tão peculiar digressão, Jean-Michel Jarre criou novo repertório do qual se encontram seis peças nesta edição; o detalhe futurista de "Arpegiator", a pulsante viagem de "Orient Express", a singular e inédita atuação de "Laser Harp", o misterioso caráter oriental de "Night In Shanghai", um bonito hino de despedia sob a forma de um adágio para "Souvenir Of China", e um momento simbólico em que Jean-Michel Jarre funde duas culturas tão diferentes entre si com um novo arranjo para "Fishing Junks At Sunset", peça tradicional Chinesa que foi interpretada e gravada com a Orquestra Sinfónica do Conservatório de Pequim. Mais tarde, Jarre definiria esta peça como 'um confronto entre instrumentos antigos e instrumentos modernos'. O restante repertório do registo assenta em peças dos dois últimos álbuns de Jean-Michel Jarre, 'Equinoxe', de 1978, e 'Magnetic Fields', de 1981. O registo ao vivo data de 1982.

Esta é uma viagem com tanto de surpreendente como de inovação que Jean-Michel Jarre aceitou fazer como um desafio a si próprio e ao valor da sua música. Era a oportunidade ideal para mostrar a sua obra a uma audiência invulgar e tão pura. O regime fechado da China de 1981 dava poucas hipóteses, ou mesmo nenhumas, de se estabelecer contato com todo o mundo exterior às suas fronteiras. A escolha da apresentação da música de Jean-Michel Jarre terá sido feita com base no seu modernismo e no seu caráter futurista, o que não deixa de ser algo curioso para um país fechado nas suas tradições. Mas a China tradicional condenava a vulgar decadência da música ocidental, nomeadamente o rock'n roll, mas via com bons olhos tudo o que fosse novo e usasse novas tecnologias.   

A edição original em vinil era dupla e muitas das edições em CD também são duplas. Esta re-edição de 1997 reúne todo o álbum num só CD, remasterizado digitalmente 96Khz - tecnologia 24 bit, por Scott Hull, Masterdisk, New York.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

King For A Day, Fool For A Lifetime - FAITH NO MORE

 

1 Get Out (Faith No More)   2:17
2 Ricochet (Faith No More)   4:28
3 Evidence (Faith No More)   4:53
4 The Gentle Art Of Making Enemies (Faith No More)   3:28
5 Star A.D. (Faith No More)   3:22
6 Cuckoo For Caca (Faith No More)   3:41
7 Caralho Voador (Faith No More)   4:01
8 Ugly In The Morning (Faith No More)   3:06
9 Digging The Grave (Faith No More)   3:04
10 Take This Bottle (Faith No More)   4:59
11 King For A Day (Faith No More)   6:35
12 What A Day (Faith No More)   2:37
13 The Last To Know (Faith No More)   4:27
14 Just A Man (Faith No More)   5:35      

'King For A Day, Fool For A Lifetime' foi oficialmente editado em 1995, como o quinto registo de estúdio para os norte-americanos Faith No More. À semelhança dos registos anteriores, este álbum é um nicho de versatilidade abrangente, com capacidade de levar o ouvinte para uma viagem imprudente e algo indefinida, através de desígnios inconstantes em que a empolgante precisão dos detalhes cria ansiedade pelo momento seguinte. Confuso? Nem por isso. Isto é apenas uma amostra descritiva do que estes californianos podem fazer.  

Vários são os géneros, mundos e estilos, que podem surpreender a cada momento da audição. O jazz dissimulado na leve subtileza da guitarra elétrica em "Evidence", a excitação funk/jazz que o naipe de sopros incute a "Star A.D.", a curiosa nuance latina que perfuma "Caralho Voador" e a incrível sobriedade de "Take This Bootle", são momentos minuciosos que funcionam como contrapeso num álbum de medidas excessivas, imprecisas e, ainda assim, profundas, que culminam na inebriante "Just A Man", iniciada por algum exotismo nipónico que muda para um coro angelical e encerra o registo em êxtase divino, mas há mais.

O vocalista Mike Patton é uma personagem onomatopeica, senhor de uma voz ampla e de um caráter bem distinto e impressionante, capaz de interpretar seja o que for nos mais diversos cenários, e os cenários são essenciais e abundantes no processo criativo dos Faith No More. As músicas desenvolvem-se no furor de autênticos episódios de ação desenfreada, intercalados pela doce harmonia de momentos de pura lucidez ou pelo organizado descontrolo de um extremismo total. Os melhores exemplos da amplitude musical que os Faith No More podem percorrer música a música estão aqui bem evidentes em "The Gentle Art Of Making Enemies", "Cuckoo For Caca", "Ugly In The Morning", "Digging The Grave", "King For A Day" e "What A Day".

Este é também o primeiro registo da banda sem o guitarrista Jim Martin, a vertente heavy-metal da banda, que foi substituído por Trey Spruance, companheiro de Mike Patton no projeto paralelo Mr. Bungle. A passagem de Spruance pelos Faith No More resume-se a este trabalho apenas, em que a imponência da sua guitarra ficou bem vincada. Nunca as guitarras soaram tão expressivas e completas em registos anteriores. Uma participação menor que o habitual do teclista Roddy Bottum, a atravessar, por esta altura, uma fase mais complicada da vida, também pode ter contribuído para a elevação das guitarras no registo mas ainda assim sente-se bem a presença de Bottum ao longo do registo e o quanto ele é importante na identificação da sonoridade da banda. A secção rítmica mantêm-se impecável com os incontornáveis Billy Gould e Mike Bordin, respetivamente baixo e bateria, a garantirem o apoio seguro à cadência da banda.

Sem dúvida, um dos álbuns mais interessantes dos Faith No More. 

domingo, 16 de julho de 2023

Title Of Record - FILTER


1 Sand (R. Patrick)   0:37
2 Welcome To The Fold (R. Patrick)   7:40
3 Captain Bligh (R. Patrick)   5:12
4 It's Gonna Kill Me (R. Patrick/G. Lenardo)   5:05
5 The Best Things (R. Patrick)   4:24
6 Take A Picture (R. Patrick)   6:00
7 Skinny (R. Patrick/G. Lenardo)   5:43
8 I Will Lead You (R. Patrick/G. Lenardo)   3:22
9 Cancer (R. Patrick)   6:39
10 I'm Not The Only One (R. Patrick)   5:50
11 Miss Blue (R. Patrick)   5:36   

O estigma do rock dos anos 1990 irá perseguir alguns dos registos da época e o segundo álbum dos norte-americanos Filter, editado em 1999, não escapa à regra. É uma obra bem enquadrada no seu tempo, sem qualquer dúvida, sob o peso das guitarras que sustêm o cerco de uma sonoridade fechada, intensa e gritante, mas que acaba por ficar presa num catálogo de referências maiores e não se livra da contemporaneidade de espetros como Marilyn Manson, Billy Corgan, Butch Vig ou o incontornável Trent Reznor, de quem Richard Patrick chegou a ser o "braço direito" nos inícios dos Nine Inch Nails.

Richard Patrick ambicionava ter a sua banda, o seu som, adquirir a sua independência musical, e foi a partir dessa força de vontade que surgiu o projeto Filter. No entanto, e apesar das boas ideias, falta neste registo alguma identidade própria que possa definir os Filter como uma banda à parte do que já existia então. 'Title of Record' revela ter estrutura suficiente para ser então encarado como uma promessa mas sem discernimento para se evidenciar como uma nova e relevante potência musical. 

O portentoso arranque de "Welcome To The Fold" é entusiasmante, a sólida coerência de "Captain Bligh" dá-lhe a melhor continuidade possível, enquanto o temperamento mais alucinado de "It's Gonna Kill Me" corta alguma da dinâmica inicial e "The Best Things" podia estar num álbum dos ... Garbage. O single "Take A Picture" revela-se como a atração mais airosa do registo, restando depois alguma ponderação em "Skinny" e pouca inspiração para "I Will Lead You" mas é em "Cancer" que se encontra o grande momento do álbum, através da intensidade da sua lenta progressão até ao êxtase final. A fechar o registo, "I'm Not The Only One" e "Miss Blue" acabam por não passar de dois simpáticos apontamentos de passagem.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

The Fragile - NINE INCH NAILS - CD02 (Right)


  Right  
1 The Way Out Is Through (T. Reznor/K. Hillebrandt/C. Clouser)   4:16
2 Into The Void (T. Reznor)   4:48
3 Where Is Everybody? (T. Reznor)   5:40
4 The Mark Has Been Made (T. Reznor)   4:43
5 Please (T. Reznor)   3:29
6 Starfuckers, Inc. (T. Reznor/C. Clouser)   4:59
7 Complication (T. Reznor)   2:29
8 I'm Looking Forward To Joining You, Finally (T. Reznor)   4:11
9 The Big Come Down (T. Reznor)   4:12
10 Underneath It All (T. Reznor)   2:43
11 Ripe (With Decay) (T. Reznor)   6:33   

Mantendo uma dinâmica inconstante, intensa e surpreendente, o segundo cd da dupla edição de "The Fragile" recebeu o sub-título 'Right' denotando-o logo como uma provável antítese da sua outra metade. As músicas que compõem 'Right' são mais exigentes e vão um pouco mais além na busca de uma sonoridade que se revela tão pessoal e consciente. Detentor de algum caráter experimentalista, nomeadamente nas faixas instrumentais, o segundo cd não é tão coerente e acessível quanto o primeiro mas é definitivamente mais interessante. 

A disciplina rítmica do álbum assenta na riqueza vibrante do pulsar industrial que regula a progressão ordenada da estrutura musical e estimula a essência da sua vitalidade. A sincronização cadenciada com que Reznor organiza toda a sua música é uma das "imagens" de marca da sua sonoridade e mostra-se aqui bastante criativo em momentos como "Into The Void", "The Mark Has Been Made", "I'm Looking Forward To Joining You, Finally", "The Big Come Down" e "Underneath It All", assim como fundamental em "Please" e "Where Is Everybody?", havendo ainda a particularidade desta última faixa remeter para algum do trabalho do norte-americano Beck.   

"Into The Void" e "Starfuckers, Inc." acabam por ser os momentos mais "convencionais" num percurso turbulento em que várias vias se abrem à medida em que se penetra, bem fundo, no interior da alma deste trabalho. Um trajeto incerto e misterioso que acaba por revelar uma tendência obscura e transcendental ou a pureza insana do estado auto-destrutivo de Trent Reznor em busca de um equilíbrio emocional. Ainda assim, "Starfuckers" é distintamente a faixa mais abrasiva desta edição e contém uma curiosa alusão a ... "You're So Vain" de Carly Simon.

No seu conjunto, "The Fragile" é uma obra preciosa e exemplar na estética musical dos anos 1990. Um álbum portentoso, enigmático e sujo, ou um acumular de ideias definidas e esclarecidas que têm como base a música que já foi feita e a que se poderá fazer ... na mente de Trent Reznor. 

domingo, 11 de junho de 2023

The Fragile - NINE INCH NAILS - CD01 (Left)


  Left 
1 Somewhat Damaged (T. Reznor/D. Lohner)   4:31   
2 The Day The World Went Away (T. Reznor)   4:33
3 The Frail (T. Reznor)   1:53
4 The Wretched (T. Reznor)   5:25
5 We're In This Together (T. Reznor)   7:15
6 The Fragile (T. Reznor)   4:35
7 Just Like You Imagined (T. Reznor)   3:49
8 Even Deeper (T. Reznor/D. Lohner)   5:46
9 Pilgrimage (T. Reznor)   3:31
10 No, You Don't (T. Reznor)   3:34
11 La Mer (T. Reznor)   4:37
12 The Great Below (T. Reznor)   5:15

Um hiato de cinco anos separa 'The Downward Spiral', editado em 1994, da dupla edição 'The Fragile', em 1999. Um longo período de espera, durante o qual Trent Reznor - o Senhor Nine Inch Nails - foi acumulando vivências e ideias mas sem saber como as desenvolver e encaixar num mundo em constante mudança. "The Fragile" não é um trabalho elaborado mas sim uma reação complexa a um mundo decadente que neste período de tempo já não correspondia com o que dele Reznor imaginava. 

Gritante e exótico ou íntimo e sussurrante, é um registo profundo, com um manancial de brutalidade e contemplação que surpreende com investidas imprevistas num caos organizado, em que elevadas doses de energia acumulada são por vezes descarregadas no meio de toda a ação. Mas este é também um percurso de penitência, de uma confidencialidade urgente, uma demanda para lavagem de uma alma a precisar de ser esconjurada.

Apesar de revelar menos automatização que os registos anteriores, "The Fragile" manifesta a instabilidade emocional de Trent Reznor através de rock maquinal, com teor industrial, e alguma tendência eletrónica em que o ruído é parte da equação, conseguindo ser proporcionalmente analógico na atenta profusão de apontamentos de piano, cuja envolvência pode gerar tonalidades com tanto de mistério como de melancolia, enquanto as guitarras, fortemente saturadas pela distorção injetada, complementam o peso de toda a estrutura do registo.

Trent Reznor é o principal obreiro dos Nine Inch Nails, projeto de um só elemento que assume todo o trabalho de compor, produzir e tocar os instrumentos que estiverem à mão. É reconhecido como sendo um músico completo e criativo, com bastante influência no meio musical mais alternativo. Para este trabalho, Reznor contou com os préstimos de algumas colaborações como o guitarrista e teclista Danny Lohner, com quem partilha créditos de co-autoria em "Somewhat Damaged" e "Even Deeper". Lohner é também um dos habituais colaboradores na formação dos Nine Inch Nails ao vivo. O baterista Jerome Dillon, também um habitué da formação ao vivo, assegura a bateria de "We're In This Together", mas os nomes mais sonantes são: o pianista Mike Garson e o guitarrista Adrian Belew. A faixa instrumental "Just Like You Imagined", um dos pontos fortes do registo, é a única em que se juntam alguns destes nomes numa só peça. 

O primeiro cd desta dupla edição tem o sub-título de 'Left' e nele encontram-se quatro peças instrumentais; "The Frail", como uma introdução para a vibrante "The Wretched", "Pilgrimage", em toque de marcha, e "Just Like You Imagined" e "La Mer", como alguns dos melhores momentos do disco. O nível de qualidade é consensual, s/ grandes destaques, bastando apenas acentuar momentos como; "Somewhat Damaged", algumas vezes referida como sendo uma das músicas usadas para tortura em Guantanamo, "The Wretched", tão intensa e tão poderosa, "We're In This Together", claustrofóbica e asfixiante, "Even Deeper", exótica e misteriosa, e "No, You Don't", ritmicamente louca e imperfeita.

domingo, 28 de maio de 2023

Achtung Baby - U2


  Lado A
1 Zoo Station (U2)   4:36   
2 Even Better Than The Real Thing (U2)   3:41
3 One (U2)   4:36
4 Until The End Of The World (U2)   4:39
5 Who's Gonna Ride Your Wild Horses (U2)   5:16
6 So Cruel (U2)   5:49
  Lado B
1 The Fly (U2)   4:29
2 Mysterious Ways (U2)   4:04
3 Tryin' To Throw Your Arms Around The World (U2)   3:53
4 Ultraviolet (Light My Way) (U2)   5:31
5 Acrobat (U2)   4:30
6 Love Is Blindness (U2)   4:23

Depois de conquistarem o território norte-americano, berço dos blues e do rock 'n' roll, com a enorme digressão de promoção para 'Joshua Tree', que ainda teria continuação com a edição do álbum e filme 'Rattle & Hum', dois registos oficiais que servem como um belo testemunho do percurso destes quatro Irlandeses na América, os U2 perceberam que tinham chegado ao seu topo como banda de rock mas ficaram sem perceber muito bem qual seria o caminho a seguir. No período que se seguiu houve dúvidas, divergências e até quem insinuasse que a banda tinha chegado a um beco sem saída e que poderia acabar por aqui. 

Numa primeira fase, foi na histórica cidade de Berlim, a celebrar ainda a enorme felicidade da sua reabertura ao mundo, que os U2 se instalaram para encontrar inspiração mas este período começou por se revelar deveras infrutífero e conflituoso, até se chegar a um consenso de ideias. Numa segunda fase, a banda regressaria depois à comodidade da sua Irlanda natal onde viria a concluir o restante trabalho. No final de tanta adversidade, onde ainda se inclui algum atrito na vida pessoal de The Edge e ao nível profissional (como o inexplicável roubo de uma grande parte das fitas que registaram as sessões de gravação de Berlim), 'Achtung Baby' é ainda assim um dos registos mais distintos na estrondosa carreira dos U2.

Editado oficialmente em Novembro de 1991, 'Achtung Baby' parte da "Zoo Station", em Berlim, onde tudo começou, para uma viagem ímpar e inesperada. Este é o registo de uma demanda com intuito de renovação e uma grande vontade de mudar, fugindo ao que já foi feito. Nesta perspetiva, 'Achtung Baby' revela-se um trabalho perfeito e triunfal como veículo da nova identidade artística dos U2. Sem excessos, que não seja o glamour, este é provavelmente o álbum mais maduro, consciente, e até mais musical, que os U2 gravaram e uma das metamorfoses mais perfeitas a que a história do rock já assistiu. 

Este é também um álbum essencial para se perceber a importância da produtividade de The Edge como um guitarrista peculiar, muito longe de ser um virtuoso técnico, que consegue aqui muitos dos seus melhores apontamentos de guitarra. Ouça-se a forma como a leveza da sua sonoridade se infiltra e preenche os espaços através de variadas camadas de guitarras, uma fusão vibrante de harmonia estética, criando a base que sustenta a estrutura do registo. Bono apresenta-se com uma prestação vocal sóbria, controlada, íntima e quase sussurrante, que transmite confiança e cumplicidade. Larry Mullen Jr. tem também neste registo apontamentos rítmicos muito criativos na bateria e conta com a habitual descontração de Adam Clayton no baixo para garantir uma boa estabilidade rítmica a toda a harmonia dos U2.

O arranque distorcido, com partida na "Zoo Station", é como que um aviso de que este é não é um apenas mais um álbum dos U2. O alinhamento desenvolve-se numa sucessão de músicas imbuídas de uma nova espiritualidade, revestidas com um caráter modernista, sedutor e excitante, em que tanto se pode celebrar a estimulante vivacidade de "Even Better Than The Real Thing", sentir a volúpia de "The Fly", inspirar o doce aroma que a preciosidade exótica de "Mysterious Ways" emana, seguir o equilíbrio rítmico de "Acrobat" e permitir que a essência de "Until The End Of The World", uma das melhores composições que os U2 já criaram, nos envolva, ou então; entender a contenda de "One", a peça central desta obra, arrepiar com "Who's Gonna Ride Your Wild Horses", considerar a subtileza de "Tryin' To Throw Your Arms Around The World", uma faixa dominada pelo presença asfixiante do baixo de Adam Clayton numa envolvência acolhedora e tão calorosa, e partilhar a dor de The Edge em "So Cruel" e "Love Is Blindness", faixas que encerram, respetivamente, os dois lados da edição vinil.

Apenas se consegue encontrar algo dos velhos U2 na cristalinidade de "Light My Way", uma faixa límpida e a única em que The Edge retoma a sonoridade natural da sua guitarra.

Acthug Baby é ainda uma belíssima obra de engenharia sonora que teve três nomes incontornáveis na produção musical para dirigir os U2 numa nova direção, Daniel Lanois, Brian Eno e Steve Lillywhite foram fundamentais na orientação do disco, e há ainda que referir a importante prestação de Flood como engenheiro de áudio.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

5150 - VAN HALEN


  Lado A
1 Good Enough (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   4:00
2 Why Can't This Be Love (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   3:45
3 Get Up (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   4:35
4 Dreams (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   4:54
5 Summer Nights (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   5:04
  Lado B 
1 Best Of Both Worlds (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   4:49
2 Love Walks In (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   5:09
3 "5150" (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   5:44
4 Inside (E. Van Halen/S. Hagar/M. Anthony/A. Van Halen)   5:02  

Editado em 1986, "5150" marca o início da segunda fase para os norte-americanos Van Halen. Seis álbuns depois do primeiro Van Halen, em 1978, a banda alcançava finalmente o cimo dos tops com este "5150" cuja maior curiosidade assenta no facto deste ser o primeiro trabalho da banda sem David Lee Roth, o carismático vocalista original que liderou a formação, sempre ao lado de Eddie Van Halen, desde o seu início. A substituição de um vocalista que possuía o dom de ser um verdadeiro homem-espetáculo, com uma forte presença de palco bem acentuada pela extravagância da sua imagem, é normalmente uma tarefa complicada de gerir e aceitar mas neste caso a coisa resultou mesmo muito bem com a entrada de Sammy Hagar. A banda perdeu um excelente entertainer mas ganhou um rocker e uma voz. 

O entretenimento foi sempre um dos pontos fortes de Van Halen, ou não estivéssemos a falar de rock norte-americano profissional, e é por essa via que "5150" mantém o seu rumo; showbiz rock de tendência hard 'n' heavy, com laivos pop, ilustrado pelo notável malabarismo de uma guitarra elétrica nas mãos do virtuoso Eddie Van Halen. O forte caráter comercial do registo é ainda acentuado pelo facto deste ter sido o primeiro trabalho da banda a alcançar o primeiro lugar no top norte-americano. Deste registo saíram ainda três singles, "Why Can't This Be Love", "Dreams" e "Love Walks In", relevantes por apresentarem uma estrutura musical praticamente assente em sintetizador, algo que Eddie Van Halen sempre desejou fazer mas que David Lee Roth sempre recusou ("Jump", no registo anterior, foi uma pequena exceção que acabou por resultar num êxito imenso).   

Não há dúvida de que os sintetizadores ganharam finalmente o seu espaço num álbum de Eddie Van Halen. Para além de estarem bem presentes nos mencionados singles reaparecem discretamente, de fundo, em "Best of Both Worlds" e rematam "Inside", a última faixa do registo, com uma linha de baixo sintetizado enquanto a banda se parece divertir num número descontraído, algo experimental, e totalmente à parte de todo o registo. 

Os momentos mais consistentes do álbum encontram-se em "Good Enough", uma entrada em grande estilo, ao melhor nível de Van Halen, "Best Of Both Worlds" e a homónima "5150" enquadram-se igualmente ao nível. Em "Get Up" sente-se a banda a soltar toda a sua vertente mais pesada enquanto "Summer Nights" concorre para o quarto single com um refrão orelhudo e bons detalhes artísticos de Eddie Van Halen na guitarra elétrica. 

Como curiosidade; o título "5150" corresponde ao nome do estúdio que Eddie Van Halen construiu para poder ter mais controlo sobre as suas gravações, e onde este álbum foi gravado, e o número tem também correspondência com o código policial que designa uma pessoa mentalmente instável.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Flick Of The Switch - AC/DC


  Lado A
1 Rising Power (Young/Young/Johnson)   3:43
2 This House Is On Fire (Young/Young/Johnson)   3:23 
3 Flick Of The Switch (Young/Young/Johnson)   3:17
4 Nervous Shakedown (Young/Young/Johnson)   4:22
5 Landslide (Young/Young/Johnson)   3:56 
  Lado B
1 Guns For Hire (Young/Young/Johnson)   3:25
2 Deep In The Hole (Young/Young/Johnson)   3:17
3 Bedlam In Belgium (Young/Young/Johnson)   3:48
4 Badlands (Young/Young/Johnson)   3:37
5 Brain Shake (Young/Young/Johnson)   4:00

Editado em 1983, "Flick Of The Switch" é um dos trabalhos menos referenciados na já longa carreira dos "Australianos" AC/DC. Não o será por falta de atributos, certamente, porque o álbum contém os ingredientes habituais que identificam a obra da banda; um registo enérgico e sincero que respira de forma tão natural sob a dinâmica de um lote de boas canções de rock'n'roll pesado e arrebatador.

Este é o nono álbum que a banda registou em estúdio e o terceiro que gravou com o vocalista Brian Johnson, encarregado da difícil tarefa de substituir o malogrado Bon Scott em 1980. A nova fase, com Brian Johnson, iniciou da melhor forma, com os dois álbuns a serem muito bem recebidos, mas este período ascendente seria interrompido precisamente com "Flick Of The Switch", parecendo mesmo que alguém tenha desligado algum interruptor. No entanto, o registo não evidencia pontos fracos ou alguma falta de qualidade que justifique este tratamento.

É sabido que houve algum atrito na relação do baterista Phil Rudd com o guitarrista Malcolm Young durante as gravações do álbum e que Rudd abandonaria a banda ainda no decorrer das gravações, mas já com a sua parte de trabalho concluída. A banda recorreu aos préstimos de um baterista de estúdio, B. J. Wilson, para ajudar a concluir as gravações mas acabou por ser o trabalho de Rudd que permaneceu no disco para manter a sonoridade original. Phil Rudd era o baterista dos AC/DC desde 1975. Também não terá sido este conflito a causa da má receção do disco.
  
1983 pertence a uma época de grandes mudanças musicais, o que poderá ser revelador de que a edição de "Flick Of The Switch" não se encontrou com a conjuntura certa para a sua receção. A distinta nobreza da obra dos AC/DC permanece bem presente neste registo que à data pode ter sido recebido como 'mais do mesmo', perante um leque bem variado de novas ofertas. Para ajudar à má sorte do álbum, não tem músicas cruciais, daquelas que são incontornáveis no alinhamento de qualquer concerto, mas, no entanto, "This House Is On Fire", "Nervous Shakedown" ,"Landslide", "Guns For Hire", "Bedlam In Belgium" ou "Badlands, poderiam integrar essa lista com relativa facilidade.

Preconceitos à parte, este é um álbum de calibre AC/DC, excitante e cativante, como a banda sempre habituou, e merece toda a atenção que se lhe possa dedicar. Tomariam muitas bandas ter um álbum menor como este.

domingo, 16 de abril de 2023

Rock The Nations - SAXON


   Lado A
1 Rock The Nations (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   4:42
2 Battle Cry (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   5:37
3 Waiting For The Night (Byford/Glocker)   4:52
4 We Came Here To Rock (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   4:20
   Lado B
1 You Ain't No Angel (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   5:27
2 Running Hot (Byford/Glocker/Oliver/Quinn/Dawson)   3:36
3 Party Till You Puke (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   3:27
4 Empty Promises (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   4:10
5 Northern Lady (Byford/Glocker/Oliver/Quinn)   4:42  

A par dos Iron Maiden e dos Def Leppard, os Saxon foram um dos nomes mais importantes na eclosão da New Wave Of British Heavy Metal (também denominada como NWOBHM). As três bandas foram preponderantes na propulsão do género que despoletou quase em paralelo com a crucial detonação do movimento punk. E se o punk, por um lado, ofuscou o rock clássico, pelo outro, também ajudou ao despontar do heavy metal, visto como uma alternativa para os que queriam ouvir novo rock e não se interessavam minimamente pela desordem do punk nem pelas correntes que se lhe seguiram.  

Das três bandas, os Saxon acabaram por ser os mais indefinidos quanto ao trajeto a seguir. Enquanto os Iron Maiden foram sempre crescendo, conseguindo manter os seus princípios à medida que (ainda) acompanham a evolução musical, e os jovens Def Leppard não pararam até conquistar os tops, ambição que a banda nunca escondeu, os Saxon não conseguiram ir para um lado nem para o outro, ficaram no meio do caminho e era precisamente aí que se encontravam em 1986 com a edição do álbum 'Rock The Nations'.

Neste registo os Saxon conseguem ser uma banda de rock, contam até com a curiosa prestação de Elton John ao piano, para duas músicas, e ainda mantêm, simultaneamente, o seu estatuto heavy metal, apesar da sonoridade polida, das cores garridas e de algum teor mais comercial. No fundo parece haver uma certa ambição, ao nível de produção, para se alcançar um estatuto maior mas falta a definição do género e a força para estabilizar a determinação da banda. Este é também o primeiro álbum dos Saxon sem o baixista original, Steve Dawson. Apesar dos créditos da edição indicarem Paul Johnson como o novo baixista da formação, foi o vocalista Biff Byford quem gravou as linhas de baixo para este trabalho; antes de ser vocalista, Byford iniciou-se musicalmente como baixista.    

O rock faz questão de ser o fio condutor do registo, não esquecer que o heavy metal é um derivado do género, começando logo por se afirmar na descritiva "Rock The Nations" que também dá título ao álbum. Uma música que evoca a nobre relação da banda com a estrada e com os palcos e, para que não restem dúvidas quanto ao seu intento, tem continuidade na afirmação de "We Came Here To Rock". No entanto, a maior evidência rock 'n roll do registo está contida em "Party Till You Puke" onde Elton John ajuda a reforçar o vigor do género com a sua destreza nas teclas. 

Mas apesar da inconstância, os Saxon são realmente uma banda heavy metal que aqui se manifesta na belicosidade de "Battlecry", na entusiasmante agilidade de "Running Hot", faixa que ainda tem a assinatura de Steve Dawson, o baixista original, e são diretos na revelação da falsa inocência de uma adolescente atrevida em "You Ain't No Angel".

E há um terceiro ponto a considerar neste trabalho, no qual se evidencia a vertente comercial do disco. O single "Waiting For The Night" é efetivamente a faixa que mais sobressai em todo o registo e é descaradamente inspirada no estilo de Van Halen, detalhe que também é possível de reconhecer em "We Came Here To Rock" e em "Party Till You Puke" - algo inspirada por ... "Hot For Teacher"? "Empty Promises" é uma música simples e acessível, sem grandes devaneios ou artifícios, mas contém a quase discreta utilização de uma talk-box, para finalizar o solo de guitarra, efeito que voltava a estar em voga nesse mesmo ano graças a ... "You Give Love A Bad Name" dos Bon Jovi. Elton John reaparece no final do registo para colorir "Northern Lady", outro dos singles retirados deste álbum. Um encerramento airoso, com uma balada que também tem o seu quê de Bon Jovi ... 

Este é um trabalho claramente pensado para entrar no sempre apetecível mercado norte-americano. Concebido numa época em que as companhias discográficas procuravam tirar algum proveito do género apostando nas grandes produções para sofisticar um estilo que prefere ser natural. Os Saxon não lidavam muito bem com a ideia mas souberam tirar o devido proveito do momento.