terça-feira, 31 de dezembro de 2024

The Art Of Tea - MICHAEL FRANKS


1 Nightmoves (M. Franks/M. Small)   4:03
2 Eggplant (M. Franks)   3:34
3 Monkey See - Monkey Do (M. Franks)   3:33
4 St. Elmo's Fire (M. Franks)   3:58
5 I Don't Know Why I'm So Happy I'm Sad (M. Franks)   4:16
6 Jive (M. Franks)   3:16
7 Popsicle Toes (M. Franks)   4:35
8 Sometimes I Just Forget To Smile (M. Franks)   3:45
9 Mr. Blue (M. Franks)   4:03 

Para além de deter um dos timbres vocais mais melosos dentro do jazz vocal mais comercial, Michael Franks revela uma venerável capacidade intelectual para escrever letras interessantes, em que aborda questões de caráter íntimo, imprimindo-lhes uma dimensão musical extrovertida e particularmente inteligente, exprimindo-se de uma forma divertida, sensual e muito própria. No entanto, até que ponto se poderá considerar este registo como jazz?

Para complicar a questão, Michael Franks está aqui acompanhando por uma formação de luxo com reconhecidas bases no ... jazz. A expressiva presença de três elementos dos Crusaders - Joe Sample (piano), Wilton Felder (baixo) e Larry Carlton (guitarra) - ajuda à elevada importância deste registo, a que ainda se junta o baterista John Guerin e as prestações pontuais de David Sanborn (sax-alto) e Michael Brecker (sax-tenor). As composições são todas assinadas por Michael Franks e apresentam a envolvente fragilidade de uma textura doce, macia, serena e extremamente agradável, capaz de cativar um vasto grupo de ouvintes desde o jazz, ao rock e até à pop ou mesmo à soul music

Apesar de uma experiência discográfica anterior, é a partir daqui que a obra de Michael Franks começa a ganhar expressão. Editado originalmente em 1975, 'The Art Of Tea' é realmente uma beleza de álbum, a que é difícil não se dar a devida importância. Registo muito detalhado e inteligente para ser rock, e muito melodioso e correto para ser jazz, caraterizado por uma sobriedade inerente a que não será alheia a postura tímida e erudita de Michael Franks. A excelência dos músicos completa o teor qualitativo do registo da melhor forma, através de uma leitura impecável das composições originais a que ainda se acrescenta o cunho pessoal que compõe a sonoridade de cada um destes músicos.

A perfurante guitarra de Larry Carlton em "Nightmoves", os dotes culinários de "Eggplant", o sax-alto de David Sanborn na delicada relação de "Monkey See - Monkey Do", o calor afetuoso que adorna a irresistível tonalidade de "St. Elmo's Fire", a contradição patente em "I Don't Know Why I'm So Happy I'm Sad", o vigoroso sax-tenor de Michael Brecker em "Jive", a cativante disposição de "Popsicle Toes", a proximidade blues de "Sometimes I Just Forget To Smile", a colorida delicadeza de "Mr. Blue" e, por fim, a presença incrível de Joe Sample em todas as frentes do registo, fazem deste álbum uma obra de referência.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

A Jazzy Way - MARIA ANADON featuring FIVE PLAY


1 Old Devil Moon (E.Y. Harburg/B. Lane)   3:46
2 I Don't Know What Time It Was (L. Hart/R. Rodgers)   4:40
3 Confirmation (S. Jordan/C. Parker)   3:33
4 Comes Love (Sam H. Step/C. Tobias/L. Brown)   4:13
5 My One And Only Love (R. Mellin/G. Wood)   6:17
6 Stolen Moments (M. Murphy/O. Nelson)   4:21
7 Black Coffee (Paul F. Webster/S. Burke)   3:36
8 Devil May Care (T. Kirkley/B. Dorough)   2:51
9 Wouldn't It Be Loverly (Alan J. Lerner/F. Loewe)   3:50
10 You Don't Know What Love Is (D. Raye/Gene de Paul)   4:53
11 I'm Old Fashioned (J. Mercer/J. Kern)   2:57
12 Tenderly (J. Lawrence/W. Gross)   5:10
13 The Best Is Yet To Come (C. Leigh/Cy Coleman)   4:04
14 One Note Samba (J. Hendricks/António C. Jobim/N. Mendonça)   1:29

A baterista norte-americana Sherrie Maricle lidera a orquestra de jazz Diva, totalmente composta por elementos femininos, a partir da qual criou o quinteto Five Play, em 1999, em que a formação tem por base a secção rítmica da orquestra - Sherrie Maricle, na bateria, Noriko Ueda, no contrabaixo, e Tomoko Ohno, no piano - a que se juntam depois dois solistas - Jami Dauber, no trompete, e Janelle Reichman, no sax-tenor e no clarinete. Para este registo de 2006, intitulado 'A JazzyWay', o quinteto reformulou-se numa nova versão, denominada Five Play's Women of the World, em que os dois solistas foram "substituídos" pela Israelita Anat Cohen, em sax-tenor e clarinete, e pela cantora Portuguesa Maria Anadon.

O início do percurso discográfico de Maria Anadon pelos meandros do jazz português deu-se em 1995 com a edição do álbum 'Why Jazz?', gravado em Paço D'Arcos com suporte do quarteto feminino norte-americano Unpredictable Nature, que consistia na primeira pequena formação saída da estrutura da Diva Jazz Orchestra, onde já pontuava a baterista Sherrie Maricle. Onze anos depois, Anadon e Maricle reencontraram-se para a gravação de um novo álbum mas desta vez em terras norte-americanas, com passagem obrigatória por Nova Iorque, onde o caminho do jazz se fez sob a essência das lendas e onde Maria Anadon se sentiu dentro do sonho.

Obra de gabarito - muito deliciosa, segura, tranquila e persuasiva - em que Maria Anadon e as Five Play demonstram ter swing e jazz, muito jazz, para agarrar um repertório estritamente dominado por música norte-americana, e um ligeiro piscar de olho, mesmo para terminar, à música de expressão portuguesa com uma passagem rápida pela obra de António Carlos Jobim para Maria Anadon dar um ar da sua graça na sua língua materna. 

O registo desenvolve-se entre a decente interpretação de Maria Anadon e as notáveis intervenções de Anat Cohen, com o distinto apoio de uma atenta e desembaraçada secção rítmica que se move na firmeza de uma execução experiente e muito segura, garantido assim a autenticidade deste trabalho. O resultado final conclui-se como uma obra exemplar e dignificante que fica registada como o terceiro trabalho a solo de Maria Anadon.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Alibi - MANUELA MOURA GUEDES


1 Violetango (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:09
2 A Hora Do Lobo (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:47
3 Equinócio De Outono (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   4:53
4 Cocktail Party (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:50
5 Prova Oral (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   1:24
6 Um Óscar (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   4:11
7 Fortuna É ... (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:21
8 Procuro Um Alibi (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   4:57
9 O Homem Bala (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:03
10 Cruela (R. Reininho/Tóli C. Machado/V. Rua)   3:19
   TEMAS EXTRA
11 Flor Sonhada (Miguel E. Cardoso/R. Camacho)   4:18
12 Foram Cardos Foram Prosas (Miguel E. Cardoso/R. Camacho)   3:51

O enorme sucesso do single "Flor Sonhada" em finais de 1981, cujo lado B apresenta uma música marcante como "Foram Cardos Foram Prosas", fez de Manuela Moura Guedes a artista do ano em Portugal numa época em que a nova música Portuguesa procurava a direção certa para se expressar. Como consequência do êxito deste single, Manuela Moura Guedes viu-se envolvida na gravação de um álbum que seria composto, produzido e gravado por três elementos dos GNR - Vítor Rua, Tóli César Machado e Rui Reininho.
 
A já conhecida radialista e apresentadora de televisão, não tinha pretensões em ser uma artista pop mas até tinha jeito para cantar. Manuela Moura Guedes gravou três singles entre 1979 e 1981 mas seria realmente o single de 1981 a despoletar a atenção geral da nação para os seus dotes artísticos. A gravação deste single partiu de um incentivo por parte de dois amigos pessoais, Miguel Esteves Cardoso e Ricardo Camacho, que foram também os nobres autores das músicas "Flor Sonhada" e "Foram Cardos Foram Prosas". Para a gravação em estúdio colaboraram; Ricardo Camacho, que assumiu também o trabalho de produção e gravou os teclados, Tó Pinheiro da Silva, guitarra, Vítor Rua, baixo e guitarra, e Tóli, na bateria. 

O álbum 'Alibi' surge como uma reação natural ao sucesso do single para aproveitar o momento e os GNR surgem como uma das bandas em foco na altura. Integrados na mesma editora, Vítor Rua, Tóli e Rui Reininho foram então abordados para compor, tocar e produzir aquele que seria o único trabalho de longa duração para Manuela Moura Guedes. 

Em certa medida, 'Alibi' pode ser visto como uma obra à parte na carreira dos GNR, apesar da participação se cingir a apenas três dos seus elementos. O álbum foi primeiro gravado por estes três músicos, Manuela Moura Guedes acrescentou depois a voz sobre o material previamente registado. O resultado revela um trabalho interessante dentro dos cânones evolutivos da música moderna Portuguesa através de uma estética pop, plástica e ousada, a que o País não estava ainda habituado. Tamanho arrojo, ou até mesmo alguma incompreensão, provocou o desprezo pelo registo ao ponto de que algumas rádios nem se atreviam a passá-lo, em parte muito devido à fantástica e delirante lírica de Rui Reininho.

É assim inevitável não identificar o traço da banda Portuense ao longo de todo o registo mas torna-se mais evidente em momentos como, "Violetango", "Hora Do Lobo", "Cocktail Party", "Um Óscar" e "Procuro Um Alibi". A sensibilidade lírica dos GNR ganha algum ênfase em "Equinócio De Outono" e "Fortuna É ..." e a música dos Talking Heads é uma clara influência para os GNR deste período e encontra-se descaradamente pronunciada em "Cocktail Party". O álbum encerra com a estranheza pop western de "O Homem Bala" e com uma parábola rítmica muito ao jeito dos ... Heróis do Mar.  

A edição aqui apresentada refere-se à reedição em formato CD pela Som Livre, Som e Imagem Lda., com licença exclusiva da Valentim de Carvalho. A reedição insere-se na coleção 'Do Tempo Do Vinil', que se propunha a relançar o catálogo da editora com obras que nunca conheceram edição em CD. Para além do álbum 'Alibi', esta edição inclui como extra o já destacado single de 1981 - "Flor Sonhada"/"Foram Cardos Foram Prosas".

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

HASTA SIEMPRE COMANDANTE! - Tributo A Che Guevara


   CD1
1 Hasta Siempre (C. Puebla) - CARLOS PUEBLA Y SUS TRADICIONALES   3:42
Si El Pueta Eres Tu (P. Milanés) - PABLO MILANÉS Y EL GRUPO DE EXPERIMENTACIÓN SONORA DEL ICAIC   2:12
Che Guevara (N. Guillén/Alma Mater) - GRUPO ALMA MATER   3:40
Fusil Contra Fusil (S. Rodriguez) - SILVIO RODRIGUEZ Y EL GRUPO DE EXPERIMENTACIÓN SONORA DEL ICAIC   3:14
5 Lo Eterno (C. Puebla) - CARLOS PUEBLA   3:31
6 Por Los Andes Del Obre (T. Castellanos) - OMARA PORTUONDO   3:07
7 Andes Lo Que Andes (A. Perez) - AMAURY PEREZ   3:30
8 Un Nombre (C. Puebla) - CARLOS PUEBLA E SUS TRADICIONALES   2:25
9 Canción Del Guerrillero Heroico (D. Viglietti) - ELENA BURKE   2:40
10 Comandante Che Guevara (Desconhecido) - GRUPO TABACALERO   1:07
11 Respeto Al Che Guevara (A. Medin)   -   QUINTETO REVELDE   2:33
12 Son Los Sueños Todavia (G. Alfonso)   -   GERARDO ALFONSO, SANTIAGO FELIÚ, IRENE GARCIA, ROSA M. ARMENEIROS e IVÁN LATOUR   4:40
13 Su Nombre Es Pueblo (E. Ramos)   -   SARA GONZÁLEZ   4:35
14 Que Pare El Son (C. Puebla)   -   CARLOS PUEBLA   2:16
15 Che Comandante (D. Azamendia/F. de Guarania)   -   CACIQUE PARAGUAYO   3:07
   CD
1 Discurso del Che en la ONU (11/12/1964)   4:19
2 Letter of Che to Fidel read by president Fidel Castro (3/10/1965)   4:22

Dupla edição em formato CD, com selo da editora Portuguesa Som Livre, que reúne variado repertório musical cubano, inspirado por - ou em homenagem a - Ernesto 'Che' Guevara, o jovem médico Argentino que se tornou guerrilheiro da luta revolucionária latino-americana, iniciando a sua atividade de guerrilha ao lado de Fidel Castro, em 1956, na preparação da revolução que ditou a queda do ditador Fulgêncio Baptista na ilha de Cuba, em 1959.

Disposto a liderar insurreições na América Latina e em África, para lutar contra a opressão e a tirania, 'Che' Guevara deixou Cuba em 1965, acabando por ser capturado e executado na selva da Bolívia em 1967. E o mito do herói floresceu. A célebre imagem do jovem comandante tornou-se num símbolo de adoração e um exemplo de força, coragem e estímulo revolucionário. O poderoso carisma de 'Che' inspirou igualmente imensos cânticos, poemas e canções que lembram, choram, engrandecem e homenageiam o espírito de um ícone maior que o seu legado.

Esta edição data de 2007 e parece estar parcialmente baseada em "Hasta Siempre Comandante (Más De 30 Anos Después)", edição da Tumi Music, e "Cantarte Comandante", edição da Egrem. Ambas as edições propunham-se a comemorar os 30 anos da morte de 'Che' Guevara, em 1997. Qualquer das edições, Portuguesa inclusive, é parca em informação pelo que há alguma imprecisão nos detalhes, nomeadamente quanto às datas de gravação destas músicas. No entanto, é possível identificar algum deste repertório e presumir-se que seja composto por obras gravadas entre 1965 e 1996. 

O primeiro autor e intérprete que sobressai nesta compilação é Carlos Puebla. São dele as músicas mais conhecidas acerca de 'Che' tal como é o caso de "Hasta Siempre". É também Carlos Puebla o músico mais representado nesta edição com a inclusão das quatro músicas que compõem o EP "Hasta Siempre" de 1968. Encontram-se ainda por aqui nomes sonantes da música Cubana como Pablo Milanés, Silvio Rodríguez, Omara Portuondo, Amaury Pérez, Elena Burke e Sara González, um nome mais atual como Gerardo Alfonso e uma curiosidade como o harpista El Cacique Paraguayo. Não se encontra informação referente ao Grupo Alma Mater e ao Grupo Tabacalero. Por fim, menção à inclusão do Quinteto Rev(b)elde neste alinhamento, associando assim a importância da sua peculiar ligação com a revolução de Cuba. 

O Quinteto Rebelde formou-se entre os guerrilheiros de Fidel Castro, aquando dos preparativos da revolução na Sierra Maestra. O quinteto animava os guerrilheiros com as suas músicas e quando solicitaram a Castro que lhe fornecesse armas para irem também à luta, Castro ter-lhes-à respondido que já detinham a melhor arma possível, a arma ideológica. Com a força da sua música, animavam e instigavam os rebeldes assim como confundiam e persuadiam o inimigo.

O segundo CD desta edição contém apenas duas faixas audio. A primeira corresponde ao discurso de 'Che' Guevara na assembleia da ONU em Dezembro de 1964 e a segunda faixa  corresponde à leitura, por Fidel Castro, da carta com que 'Che' se despediu de Cuba, em Outubro de 1965.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Canta Em Espanhol - NAT KING COLE


1 Ansiedad (Roberto 'Tito' Mendoza)   3:25
2 Ti Quiero, Dijiste (Maria Grever/Charles Pasquale)   2:34
3 Perfidia (Alberto Dominguez)   2:17
4 Yo Vendo Unos Ojos Negros (B. Schluger adap. Nat King Cole)   2:20
5 Cachito (Consuelo Velazquez)   2:45
6 El Bodeguero (Richard Egues)   2:18
7 Acércate Más (Osvaldo Farres)   2:43
8 Quizás, Quizás, Quizás (Osvaldo Farres/Joe Davis)   2:39
9 Arrivederci, Roma (Rascel/Garinei/Giovannini)   2:39
10 Noche De Ronda (Maria Teresa Lara)   2:26
11 Maria Elena (Lorenzo Barcelata)   2:36
12 Las Mañanitas (Arr. Jack Harris/Kirk Patrick)   2:50 
13 Adelita (Arr. Jack Harris/Kirk Patrick)   2:03
14 Caboclo Do Rio (Babi De Oliveira)   1:50
15 Tú, Mi Delirio (Portillo De La Luz)   2:30

Edição em formato CD, em 2010, com selo da Companhia Nacional de Música, S.A. - editora, produtora e distribuidora de fonogramas e videogramas musicais, criada em 1993 por Nuno Rodrigues, um dos membros fundadores da saudosa Banda do Casaco. Esta edição recupera, integralmente, o álbum 'Cole Español', de 1958, e ainda inclui quatro músicas do álbum 'A Mis Amigos', de 1959. Nat 'King' Cole gravou um terceiro álbum cantado em Espanhol, editado em 1962 com o título 'More Cole Español', mas nenhuma das músicas desse registo foi aqui incluída. 

O primeiro contato de Nat 'King' Cole com o mundo latino, mais concretamente com Cuba, dá-se em 1956, para cantar e tocar no clube Tropicana, acompanhado pela orquestra de Armando Romeu Jr. na interpretação de canções do seu repertório em Inglês. Dado o enorme sucesso da sua passagem pelo Tropicana, Nat 'King' Cole regressaria a Cuba em 1957 e 1958, para novas datas, e foi nesse último ano que o inebriante cantor negro norte-americano, de voz doce e melodiosa, igualmente apreciado pelos seus dotes ao piano, aceitou gravar um disco cantado em Espanhol e composto apenas por canções sul-americanas. 

A maior parte do álbum foi gravada em Havana, no estúdio Panart, pela orquestra de Armando Romeu Jr. e pelo coro do Cuarteto de Facundo Rivero, sob o atento acompanhamento de Nat 'King' Cole que tinha de aprender a cantar este repertório, numa língua que não dominava de forma nenhuma. Cole aprendeu as letras pela sua fonética, com uma preciosa ajuda do pianista do clube Tropicana, e a parte vocal foi depois gravada em Hollywood. Destas sessões resultou o álbum 'Cole Español', editado originalmente em 1958 e incluído no seu todo nesta edição da CNM.

No ano seguinte, em 1959, dá-se a revolução de Fidel Castro em Cuba, o que provocou o cancelamento das novas datas para um regresso de Nat 'King' Cole à ilha e consequentemente originou uma digressão de seis semanas pela América do Sul, com paragem no Brasil para a gravação de um segundo álbum com repertório sul-americano. 'Mis Amigos' foi gravado no Rio de Janeiro, com direção de Dave Cavanaugh, e deste álbum foram retiradas quatro músicas para integrar esta edição; "Ansiedad", "Perfidia", "Yo Vendo Unos Ojos Negros" e "Caboclo Do Rio".

Obra com tanto de inesperado como de adorável, é notável como a acentuada pronúncia norte-americana de Nat 'King' Cole consegue transmitir um aconchego surpreendente que não afeta a essência latina destas músicas. Apenas a graciosidade de uma voz tão doce e envolvente permite a magia e autenticidade desta interpretação. O repertório gravado baseia-se essencialmente em música cubana e mexicana mas também inclui músicas de outros países latinos. O enorme sucesso destas gravações ajudou a espalhar, ainda mais, a classe, o charme e o inesquecível encanto artístico de Nat 'King' Cole assim como à divulgação da música latina.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Songs In The Key Of Life - STEVIE WONDER - LP02


 Lado A
Isn't She Lovely (S. Wonder)   6:33
Joy Inside My Tears (S. Wonder)   6:29
Black Man (S. Wonder)   8:29
 Lado B
Ngiculela - Es Una Historia - I Am Singing   (S. Wonder)   3:48
If It's Magic (S. Wonder)   3:11
3 As (S. Wonder)   7:07
Another Star (S. Wonder)   8:19

À semelhança do que sucede na outra metade deste registo duplo, Stevie Wonder volta a iniciar em modo solo, contando apenas com a participação do teclista Gregg Phillinganes em "Isn't She Lovely" e "Joy Inside My Tears". Começo notável com uma das músicas mais emblemáticas da sua carreira, "Isn't She Lovely" expressa a alegria inata de Stevie Wonder na intimidade de um momento tão especial como o nascimento da sua filha Aisha. O final da música prolonga-se com um solo improvisado de harmónica, por Stevie Wonder, que garante a jovialidade desta música até à sua conclusão. "Joy Inside My Tears" manifesta-se por um andamento lento e pelo tom vocal grave, que resulta numa bonita melodia, em jeito de balada, muito ao estilo de algumas das peças que Rick Davies assinaria para os Supertramp.   

O lado A encerra com uma lição de história dissimulada em música sob o título "Black Man", um desfile de factos e nomes reveladores da contribuição multirracial, envolvendo alguns dos intervenientes na história da humanidade. É Stevie Wonder quem comanda toda a execução da música, em balanço funky, tendo apenas o apoio de um naipe de sopros.

O lado B começa por revelar a distinta inclusão de duas músicas que fogem ao perfil geral deste álbum e acentuam a sua agilidade como uma peça de trabalho versátil e abrangente; "Ngiculela - Es Una Historia - I Am Singing" funde o odor exótico das tonalidades étnicas e "If It's Magic" é um dueto com a harpista Dorothy Ashby para um momento simpático e delicado.

Para o final estavam guardados os momentos mais "intensos" deste registo, com "As" e "Another Star", e onde se incluem as formações mais completas. "As" será uma das músicas mais vibrantes pela sua crescente ambiência e entrega até alcançar uma espiral hipnótica que permanece vívida num ritmo contagiante e definido. Entre os nomes apontados nos créditos desta música destaca-se o de Herbie Hancock nas teclas. Por fim, será o inquieto balanço salsa/disco de "Another Star" a encerrar as hostes em tom festivo e bamboleante. As prestações de George Benson, discreto na guitarra elétrica, e de Bobbi Humphrey, solta na flauta, sobressaem entre os créditos desta última música.

Obra concluída com maturidade, boa disposição e a naturalidade de algum virtuosismo.

sábado, 19 de outubro de 2024

Songs In The Key Of Life - STEVIE WONDER - LP01


 Lado A
1 Love's In Need Of Love Today (S. Wonder)   7:05
2 Have A Talk With God (S. Wonder/C. Hardaway)   2:42
3 Village Ghetto Land (S. Wonder/S. Byrd)   3:25
4 Contusion (S. Wonder)   3:45
5 Sir Duke (S. Wonder)   3:52
 Lado B
1 I Wish (S. Wonder)   4:12
2 Knocks Me Off My Feet (S. Wonder)   3:35
3 Pastime Paradise (S. Wonder)   3:20
4 Summer Soft (S. Wonder)   4:16
5 Ordinary Pain (S. Wonder)   6:22

O cidadão norte-americano Stevland Morris manifesta um eterno agradecimento ao seu alter ego, Stevie Wonder, por este lhe ter aberto as portas do mundo artístico e assim lhe ter proporcionado a oportunidade de expressar os seus próprios sentimentos através de música. Uma enorme gratidão, que em 1976 mostrou estar em perfeita sintonia com a vida através de uma dupla edição em vinil sob o título "Songs In The Key Of Life".

Fruto de um manancial de produção musical incrível, terão sido gravadas perto de duas centenas de canções, o que levou a que houvessem consequentes adiamentos para a edição deste álbum devido a haver sempre música nova para incluir no alinhamento, ao ponto da edição final deste duplo registo incluir ainda um EP extra com mais quatro músicas - no entanto, a edição que este escriba adquiriu, no mercado dos discos usados, já não tinha o EP pelo que o mesmo não irá constar destes registos. 

É uma obra relevante e uma autêntica celebração de vida, que se complementa por uma atitude positiva e uma alegria contagiante. Espontâneo, espiritual, profícuo e sincero, Stevie Wonder revela uma grande afeição humana pelo próximo e uma enorme devoção de fé nas suas crenças. Impulsionado pela firmeza dos valores em que acredita, emprega o talento de uma liberdade artística total para criar música que cativa, entusiasma e emociona, pessoas de todos os credos, raças e cores. 

Neste primeiro registo, desta dupla edição, Stevie Wonder começa por aparecer sozinho na execução das três primeiras músicas; em que representa um mensageiro que proclama a urgência em usar o amor para alcançar a harmonia entre todos através da moderada pop/soul de "Love's In Need Of Love Today", explora a sua devoção pelos sintetizadores no contraste espiritual de "Have A Talk With God" e aplica as cordas sintetizadas para dar um toque classicista a "Village Ghetto Land". Reaparece sozinho para a interpretação de "Knocks Me Off My Feet", em nova abordagem pop/soul moderado. Estas quatro faixas possibilitam ouvir Stevie Wonder na execução total dos instrumentos que domina, das teclas à bateria. 

O alinhamento conta com a adição de uma formação completa para três músicas, que sobressaem pela sua vivacidade. O primeiro sinal dessa prestação dá-se com "Contusion", um instrumental intenso e complexo, que por momentos faz pensar se nos teremos enganado no disco. Uma excitante torrente de jazz/rock a lembrar, e muito, a energia da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin. O aroma do jazz mantém-se na incontornável "Sir Duke", simpático tributo a Duke Ellington, que ficou marcada pelo cativante arranjo para os sopros e ainda se sente algum deste fulgor no balanço funky de "I Wish".

Nas três músicas que encerram este primeiro disco, Stevie Wonder volta a assumir sozinho grande parte da execução musical, apenas recorrendo a pontuais participações para instrumentos fulcrais. Na celestial "Pastime Paradise", que em 1995 seria exemplarmente recuperada pelo rapper norte-americano Coolio como "Gangsta's Paradise", conta com uma inclusão coral e alguma percussão. Para uma nova abordagem pop/soul com "Summer Soft", o orgão vem de Ronnie Foster e a guitarra ritmo pertence a Ben Bridges. "Ordinary Pain" é uma espécie de pop/soul progressiva que evolui para uma estrutura mais aguerrida sob a forte vocalização de Shirley Brewer, o sax alto de Hank Redd e a guitarra elétrica de Michael Sembello.

O șegundo disco, da edição, vem a seguir ...

sábado, 5 de outubro de 2024

Magic And Loss - LOU REED

 

Lado A
1 DORITA / The Spirit (L. Reed)   1:07
2 WHAT'S GOOD / The Thesis (L. Reed)   3:22
3 POWER AND GLORY / The Situation (L. Reed/M. Rathke)   4:23
4 MAGICIAN / Internally (L. Reed)   6:23
5 SWORD OF DAMOCLES / Externally (L. Reed)   3:42
6 GOODBY MASS / In A Chapel Bodily Termination (L. Reed)   4:25
7 CREMATION / Ashes To Ashes (L. Reed)   2:54
8 DREAMIN' / Escape (L. Reed/M. Rathke)   5:07
Lado B
1 NO CHANCE / Regret (L. Reed)   3:15
2 WARRIOR KING / Revenge (L. Reed)   4:27
3 HARRY'S CIRCUMCISION / Reverie Gone Astray (L. Reed)   5:28
4 GASSED AND STOKED / Loss (L. Reed/M. Rathke)   4:18
POWER AND GLORY PART II/ Magic.Transformation (L. Reed/M. Rathke)   2:57
6 MAGIC AND LOSS / The Summation (L. Reed/M. Rathke)   6:39

Em 1991, Lou Reed extravasava a dor sentida pela recente perda de dois amigos muito próximos, que faleceram de cancro, através da gravação de um novo trabalho original. Gravado em 1991 e só editado em 1992, 'Magic And Loss' é um registo simbólico, uma última homenagem, focado numa memória refletida que percorre os momentos de bravura de uma luta inglória mas persistente, com animosidade suficiente para aguentar até ao fim. 

É, em certa medida, um álbum triste, mas é também musicalmente atrativo, entusiástico e envolvente. O registo obedece à natureza rítmica das guitarras, numa fluência de riffs e fraseados vitais, que conduzem o álbum através de várias dinâmicas, alimentadas pelo puro magnetismo de canções sólidas e pela profunda ambiência de alguns momentos mais sensíveis. O registo carateriza-se ainda por uma temática dúbia, nos títulos, entre a expectativa da magia e a inevitabilidade da realidade (perda). 

Esta é uma época em que Lou Reed se apresenta revigorado, mais calmo e atento, mais consciente do mundo que o rodeia. A nível musical, mostra-se seguro, criativo, eloquente e aberto a novos conteúdos. O álbum foi gravado no habitual formato rock com duas guitarras elétricas, baixo e bateria, mas há dois pormenores que marcam distintivamente o seu efeito no registo - o guitarrista Mike Rathke, que partilha o trabalho de produção e a co-autoria, para algumas músicas, com Lou Reed, utiliza em alguns momentos uma guitarra Casio, instrumento responsável pela ambiência sintetizada em: "Sword of Damocles", "Dreamin'", "Harry's Circumcision" e na faixa homónima "Magic and Loss". Rob Wasserman gravou com um contrabaixo elétrico Clevinger de 6 cordas, instrumento híbrido que combina as tonalidades do baixo elétrico, do baixo fretless e do contrabaixo, o que permite uma versatilidade tímbrica incrível das tonalidades do baixo ao longo de todo o registo.

É uma obra musical exímia, honesta e esclarecedora, evidenciada por uma harmonia incrível resultante de uma completa interação das canções com a seca vivacidade das guitarras, num lamento inspirado e libertador, impulsionado por uma lírica expressiva, real e sincera, que prende, cativa e surpreende, pela sua genuinidade.

domingo, 22 de setembro de 2024

Hymns To The Silence - VAN MORRISON - LP02


 Lado A
1 By His Grace (V. Morrison)   2:33
2 All Saints Day (V. Morrison)   2:26
3 Hymns To The Silence (V. Morrison)   9:36
4 On Hyndford Street (V. Morrison)   5:17
5 Be Thou My Vision (Traditional/Arrang. V. Morrison)   3:47
Lado B
1 Carrying A Torch (V. Morrison)   4:25
2 Green Mansions (V. Morrison)   3:37
3 Pagan Streams (V. Morrison)   3:35
4 Quality Street (V. Morrison/M. Rebennack)   3:57
5 It Must Be You (V. Morrison)   4:04
6 I Need Your Kind Of Loving (V. Morrison)   4:29

O bom momento que Van Morrison atravessava por esta altura é comprovado pela qualidade e quantidade do admirável conteúdo musical aqui produzido, ao ponto de haver capacidade para uma edição dupla sem desníveis. O álbum detém a aura que envolve as grandes obras e o segundo disco complementa na perfeição o conteúdo do seu par. 

Mais sensível, comedido e retrospetivo, as paisagens bucólicas surgem neste disco com a serenidade de uma alma desanimada mas ainda com força para se exprimir e lutar pela recuperação de valores que são agora uma saudade; "Carrying The Torch" e "Hymns To The Silence" encaixam profundamente neste campo. "On Hyndford Street" e "Pagan Streams" são peças declamatórias, como que manifestos artísticos, envoltas num ambiente denso e depois numa complexidade de jazz harmónico. Em "Be Thou My Vision" encontra-se novo momento espiritualista enquanto "Green Mansions" representa a vertente mais irlandesa deste lado da edição.  

Mas nem tudo é contemplativo e reflexivo neste registo. O rock moderado de "By His Grace" tem a devida continuidade, mais perto do final, com "Quality Street", "It Must Be You" e "I Need Your Kind Of Loving", assim como uma nova dissertação jazz em "All Saints Day". Uma obra consciente e muito adulta, subtilmente dominada pelo calor de um autor experiente e independente que define a sua arte à plenitude da sua imagem.

Entre as colaborações, destaca-se o regresso de Candy Dulfer ao álbum, com a tonalidade smooth do seu saxofone, em "It Must Be You", e a integralidade de uma prestação ativa de Georgie Fame ao longo de todo o registo com a vitalidade tímbrica do seu orgão. Os The Chieftains também reaparecem no álbum para outra simpática prestação, desta vez em "Be Thou My Vision".

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Hymns To The Silence - VAN MORRISON - LP01

 

  Lado A
1 Professional Jealousy (V. Morrison)   3:42
2 I'm Not Feeling It Anymore (V. Morrison)   6:27
3 Ordinary Life (V. Morrison)   3:28
4 Some Peace Of Mind (V. Morrison)   6:20
5 So Complicated (V. Morrison)   3:15
  Lado B
1 I Can't Stop Loving You (D. Gibson)   3:52
2 Why Must I Always Explain? (V. Morrison)   3:47
3 Village Idiot (V. Morrison)   3:10
4 See Me Through Part II (Just A Closer Walk With Thee) (Traditional/Arrang. V. Morrison)   3:05
5 Take Me Back (V. Morrison)   9:03

'Hymns To The Silence' representa o vigésimo-primeiro trabalho de estúdio para o irlandês Van Morrison e marca ainda a singularidade de ser o seu primeiro álbum duplo de estúdio em vinte e quatro anos de carreira. Editado em 1991, o registo revela a desilusão e o cansaço de Morrison perante uma humanidade sem rumo, distante dos valores do passado, que perdeu a naturalidade da sua essência para a novidade de uma rotina acelerada, ansiosa e cercada pelo incómodo do ruído.

O álbum suporta os contornos de uma obra conceptual em que Van Morrison reclama a urgência de recuperar os valores perdidos para um retorno saudável a tempos serenos e menos complicados, e fá-lo conscientemente através de um nobre contexto estruturado em canções sóbrias, que percorrem o rock 'n roll adulto, o primor dos blues, a categoria do jazz, a revelação do espiritual e a dignidade tradicionalista das suas origens Irlandesas, que se concluem como autênticos hinos líricos ao silêncio.

É uma obra maior, definida pela categoria de Van Morrison, que aqui recupera muito do melhor nível da sua sobriedade musical. Confortável, explícito e credível, o primeiro disco desta dupla edição evidencia-se pela notória qualidade de todas as músicas que o compõem. Desde o aprazível rock moderado de "Professional Jealousy", "I'm Not Feeling It Anymore" e "Peace Of Mind", o poder dos blues em "Ordinary Life" e o jazz efusivo de "So Complicated", a natureza inebriante do tradicionalismo irlandês em "I Can't Stop Loving You", "Why Must I Always Explain?" e "Village Idiot", a alma espiritual de "See Me Through Part II (Just A Closer Walk With Thee)" até ao emotivo culminar com "Take Me Back", dava já um belíssimo trabalho ... mas ainda há mais no segundo disco ...

Por fim, realce para as participações da saxofonista neerlandesa Candy Dulfer, com uma leveza smooth jazz para "Peace Of Mind" e habilmente enérgica  para o desvario jazz de "So Complicated", enquanto que os The Chieftains passeiam a sua graciosidade pela simpática versão de "I Can't Stop Loving You".

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Follow The Leader - KORN


1 ...   0:05
2 ...   0:04
3 ...   0:04
4 ...   0:04
5 ...   0:04
6 ...   0:04
7 ...   0:04
8 ...   0:04
9 ...   0:04
10 ...   0:04
11 ...   0:04
12 ...   0:04
13 It's On! (Korn)   4:28
14 Freak On A Leash (Korn)   4:15
15 Got The Life (Korn)   3:45
16 Dead Bodies Everywhere (Korn)   4:44
17 Children Of The Korn (Korn/O'Shea Jackson)   3:52
18 B.B.K. (Korn)   3:56
19 Pretty (Korn)   4:12
20 All In The Family (Korn/F. Durst)   4:48
21 Reclaim My Place (Korn)   4:32
22 Justin (Korn)   4:17
23 Seed (Korn)   5:54
24 Cameltosis (Korn/T. Hardson)   4:38
25 My Gift To You (Korn)   7:13 (15:40)
     Hidden track 
     ...   1:55
     Earache My Eye (T. Chong/R. Marin/G. Delorme)   6:25

... 12 faixas em branco depois ... o registo inicia com "It's On!" ... Uma pequena partida com que os norte-americanos Korn brindam o ouvinte na introdução ao aguardado terceiro álbum, editado em 1998. 'Follow The Leader' é um trabalho mais polido e ponderado, relativamente à espontaneidade dos dois trabalhos anteriores, que marca distintamente a posição dos Korn como líderes do Nu-Metal, novo estilo que funde o vigor e a intensidade do rock mais pesado com a cadência da rima declamada do hip-hop

"Follow The Leader" afirma-se como uma obra crucial que define o estatuto de uma nova vertente musical através de uma sonoridade de metal incoerente, mas funcional, incentivado pelo grave vigor das cargas corrosivas das duas guitarras elétricas de 7 cordas, que agravam a sustentabilidade de um som já de si profundo e brutal, produzindo riffs cativantes e apontamentos de efeitos inventivos e distintos. O baixo desenvolve-se por linhas com um groove mais brilhante e trastejante, enquanto que a bateria enquadra no estilo habitual do rock pesado. O vocalista Jonathan Davies cumpre com o papel de um frontman descarado e ordinário que, não sendo um verdadeiro rapper, consegue impor-se com o seu estilo agressivo e onomatopeico.

O registo é composto pela intensidade de músicas com um caráter arrastado e provocante, em que sobressaem o teor sujo da troca de impropérios entre Jonathan Davies e Fred Durst (vocalista dos Limp Bizkit) em "All In The Family", a participação de Ice Cube em "Children Of The Korn" e de Trevant Hardson em "Cameltosis", a curiosa abordagem de ritmo disco para o single "Got The Life" e a inclusão da faixa escondida "Earache My Eye", original de Cheech & Chong, uma dupla de comediantes irreverentes que obteve algum sucesso nas décadas de 1970 e 1980.  

O restante alinhamento funciona bem dentro dos limites do estilo a que se propõe, denotando um trabalho cuidado e elaborado que consegue extravasar em momentos mais excessivos e controlar-se em momentos próprios. Particularidades que expuseram a banda a novas audiências, enquanto mantinham o fulgor inicial. O Nu-Metal estava oficialmente apresentado às hostes mas a sua longevidade ficaria condenada com as novas réplicas ...

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

The Best Of - JAMES

 

1 Come Home (James)   3:55
2 Sit Down (Booth/Gott/Glennie/Whelan)   4:04
3 She's A Star (James)   3:40
4 Laid (James)   2:36
5 Waltzing Along (Single Version) (James)   3:36
6 Say Something (James)   3:25
7 Born Of Frustration (James)   4:36
8 Tomorrow (James/B. Eno)   3:41
9 Destiny Calling (James)   3:50
10 Out To Get You (James)   4:26
11 Runaground (James)   4:09
12 Lose Control (James)   3:55
13 Sometimes (James)   4:37
14 How Was It For You? (James)   2:57
15 Seven (James)   3:19
16 Sound (James)   4:58
17 Ring The Bells (James)   4:43
18 Hymn From A Village (Booth/Gott/Glennie/Whelan)   2:52

Desfile impressionante de hits, verdadeiras memórias geracionais que irão acompanhar eternamente quem as viveu no decorrer da década de 1990, o 'best of' que os britânicos James editaram em 1998 funciona como um legítimo testemunho do período de maior sucesso que a banda atravessou desde o inicio da sua ascensão em 1991.

As origens dos James remontam a 1981, ainda sob a denominação 'Model Team International', focados em criar música que os outros não tinham sequer ainda pensado. Em 1982 já seriam James mas o primeiro single só sairia em 1983, com selo da mítica Factory. Um segundo single, entitulado 'James II', também com selo da Factory, seria editado em 1985, e é nesta edição que se encontra "Hymn From A Village", a música mais antiga do alinhamento deste 'best of'.   

A regravação de "Sit Down", single 'falhado' de 1989 que os James recuperaram numa versão mais curta, para o seu terceiro registo 'Gold Mother', em 1990, despoletou a atenção na banda e as portas do sucesso escancararam-se, por fim, para receber o doce emergir da contagiante alegria pop dos James, na década de 1990. É este o ponto de partida fulcral da coletânea, que se desenvolve através de uma enxurrada de êxitos, que mesmo aqueles que pouco ou nenhum contato tiveram com a banda sabem cantar ou trautear. 

A edição é complementada com a adição de duas músicas novas - "Destiny Calling" e "Runaground" - como uma atração irrefutável e uma aposta considerável, perfeitamente enquadrada com todo o trabalho anterior, o que não deixa de fazer sentido uma vez que a edição desta coletânea coincide com um novo arranque dos James após um curto hiato, entre 1995 e 1996, que parecia prenunciar o final da banda.  

Notável como um repertório tão conhecido, sem ter alcançado um único single nº1, consegue ser tão familiar e uma parte importante do universo musical pop/rock. Esta edição 'Best of' foi inclusive o primeiro álbum dos James a alcançar o nº1 de um top.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

No Line On The Horizon - U2


1 No Line On The Horizon (U2/B. Eno/D. Lanois)   4:12
2 Magnificent (U2/B. Eno/D. Lanois)   5:22
3 Moment Of Surrender (U2/B. Eno/D. Lanois)   7:22
4 Unknown Caller (U2/B. Eno/D. Lanois)   6:00
5 I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight (U2)   4:12
6 Get On Your Boots (U2)   3:23
7 Stand Up Comedy (U2)   3:47
8 Fez - Being Born (U2/B. Eno/D. Lanois)   5:13
9 White As Snow (Trad./U2/B. Eno/D. Lanois)   4:38
10 Breathe (U2)   4:57
11 Cedars Of Lebanon (U2/B. Eno/D. Lanois)   4:10

Acomodados na sua maturidade, os irlandeses U2 passaram a gerir a sua musicalidade numa ligeireza própria de quem já nada precisa provar para sustentar a firmeza do seu estatuto entre os grandes nomes da história da música pop/rock a nível mundial. Aliado a um bom gosto musical, cujas referências assentam na plena admiração e respeito pela legitimidade de uma herança musical em que agora também se incluem, encontra-se ainda a essência de uma íntima devoção e um enorme prazer em produzir música calculada e bem medida, com a devida consideração aos cânones convencionais de um bom enquadramento melódico com a harmoniosa estrutura de canções atrativas e empolgantes.

Editado em 2009, 'No Line On The Horizon' é uma obra de certa forma moderada, sem grandes excessos que não apenas as músicas mais badaladas e reconhecidas. Se "Magnificent" tem ganas de um single poderoso, "I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight" e "Get On Your Boots" ressaltam na emocionante dinâmica da sua vivacidade e o registo acaba mesmo por se expandir depois em momentos tão distintos e irreverentes como "Unkown Caller", "Fez - Being Born" e "Breathe", músicas que rasgam os contornos mais convencionais do álbum, mas é na sentida interpretação de "White As Snow" que se encontra o momento de ouro desta obra. 

O arranque entusiasmante com "No Line On The Horizon" é um bom auspício para o que se segue mas o álbum complementa-se totalmente, com o parágrafo anterior, na sensibilidade espiritual de "Moment Of Surrender" e "Cedars Of Lebanon" - sustentada pelo sampler de "Against The Sky" de Brian Eno e Harold Budd. Duas músicas que evidenciam a fervorosa dedicação que a banda nutre pelas crença nos valores humanos. 

Claramente, uma das fases mais interessantes para os U2 após o adorável arrojo estético que a banda abraçou na década de 1990, a que não será alheia a colaboração de Brian Eno e Daniel Lanois na produção e composição de mais um belo registo discográfico ao melhor nível da incontornável banda Irlandesa.

domingo, 21 de julho de 2024

Dreamtime - THE CULT


 Lado A
1 Horse Nation (Astbury/Duffy)   3:39
2 Spiritwalker (Astbury/Duffy)   3:36
3 83rd Dream (Astbury/Duffy)   3:36
4 Butterflies (Astbury/Duffy)   2:57
5 Go West (Astbury/Duffy)   3:55
 Lado B
1 Gimmick (Astbury/Duffy)   3:32
2 A Flower In The Desert (Astbury/Jepson/Burroughs/Nawaz)   3:40
3 Dreamtime (Astbury/Duffy)   2:45
4 Rider In The Snow (Astbury/Duffy)   3:09
5 Bad Medicine Waltz (Astbury/Duffy)   5:52

Numa primeira fase, foram The Southern Death Cult. Depois foram Death Cult. À terceira aparição, seriam definitivamente The Cult. O elo de ligação entre as três bandas é o carismático e excêntrico vocalista Ian Astbury, influenciado, desde muito cedo, pela cultura do índio (nativo) norte-americano, mas a assinatura como The Cult apenas seria definida com a entrada do guitarrista Bill Duffy, ainda durante a fase Death Cult, e o percurso da banda passaria sempre pela ativa colaboração desta parelha.

Editado em 1984, 'Dreamtime' marca oficialmente o arranque dos The Cult, ainda em solo britânico, sob a égide das novas cores do post-punk. O registo é normalmente associado com o emergir do rock gótico, devido, em grande parte, ao período inicial da banda como Southern Death Cult, mas a sonoridade do álbum de estreia apresenta-se em formato de rock convencional, algo imberbe mas já bem delineado pela clareza das límpidas linhas de guitarra de Bill Duffy, adornadas por uma distinta singularidade dos efeitos de chorus e delay, e apoiado pela coesão da secção rítmica em que pontuam o baixista Jamie Stewart e o baterista Nigel Preston. Ian Astbury é ainda um jovem vocalista, com um registo vocal nítido e controlado, a definir o seu estilo de forma eficaz e convicente. 

O registo evidencia ainda ecos da fase anterior, como Death Cult, com novas leituras para "Horse Nation", "A Flower In The Desert", "Butterflies" e "Rider In The Snow", intitulada, nessa fase, como "Too Young". Num outro sentido, há também uma antecipação ao próximo álbum, com "Bad Medicine Waltz" a anunciar o espírito de "Brother Wolf, Sister Moon".

Pormenor interessante acerca da edição aqui apresentada; trata-se da única edição Portuguesa para este álbum, lançada em 1985 pela editora independente Dansa do Som, criada especificamente para divulgação e promoção de bandas finalistas do Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, em Lisboa. A editora experimentou lançar-se também na edição de álbuns de artistas internacionais independentes, que na altura dificilmente entrariam no mercado discográfico nacional, mas só o fez com duas edições - 'Promise' dos Gene Loves Jezebel e este 'Dreamtime' dos The Cult, ambos relevantes como álbuns de estreia para ambas as bandas. De resto, a Dansa do som manteve o foco no seu objetivo inicial continuando discretamente ativa até ao final do concurso em meados dos anos 1990.

domingo, 7 de julho de 2024

Naked - TALKING HEADS

 

Lado A
1 Blind (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   4:58
2 Mr. Jones (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   4:18
3 Totally Nude (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   4:03
4 Ruby Dear (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   3:48
5 (Nothing But) Flowers (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   5:14
 Lado B 
1 The Democratic Circus (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   5:01
2 The Facts Of Life (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   6:26
3 Mommy Daddy You And I (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   3:58
4 Big Daddy (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   4:01
5 Cool Water (D. Byrne/C. Frantz/J. Harrison/T. Weymouth)   5:08

Capítulo final para os norte-americanos Talking Heads, em 1988, com a banda já totalmente imersa no doce e aromático exotismo dos tons coloridos da world music. O registo começa por abordar o contagiante e irresistível balanço dos calorosos ritmos africanos e latinos, acabando por fundir-se depois com a característica textura de instrumentos norte-americanos como a pedal steel guitar, o dobro e a harmónica de blues. Em consequência desta combinação de géneros, 'Naked' é um registo de leveza tropical que acaba por se "perder" nas densas poeiras que assolam as bermas das estradas secundárias norte-americanas ... mas foi gravado em França ...

A gravação deste álbum reuniu imensos colaboradores para darem vida, cor, alegria e ritmo às dez composições originais dos Talking Heads. A música fervilha numa fusão bem equilibrada e orgânica, a que não será alheia a notória presença de três naipes de sopros - em "Blind, "Mr. Jones" e "Big Daddy" - muitos percussionistas e uma presença bem vincada do guitarrista britânico Johnny Marr (ex-Smiths). As participações repartem-se ao longo do disco enquanto os estilos se combinam num resultado escaldante e genial ao nível dos melhores trabalhos da banda.

"Naked" não foi planeado como uma obra de despedida, o anúncio oficial do fim da banda apenas seria feito em 1991, e apesar de todos os elementos terem os seus próprios trabalhos em paralelo com o percurso dos Talking Heads, percebe-se a sua evolvência como um todo na estrutura final do álbum. A frescura rítmica que impulsiona o registo logo de início, apenas interrompida por um momento mais rock 'n' roll, sem o chegar a ser realmente, com "Ruby Dear", move-se depois, no lado B, para uma paisagem mais norte-americana, carregada de um semblante mais tenso e sério.

Com exceção para a já referida "Ruby Dear", o lado A detém uma toada bem animada onde pontua o single "(Nothing But) Flowers", uma interessante alusão a um mundo tomado pelas flores, em que estas preenchem todos os espaços criados pelo progresso humano. A música é dominada pela maravilhosa combinação das guitarras elétricas de David Byrne, Johnny Marr e Yves N'Djock. A dinâmica do lado B sofre algumas alterações estéticas e apresenta-se com uma abordagem de temperamento mais fechado mas o registo permanece impecável e atento. O ritmo automatizado de "The Facts Of Life" contrasta com a naturalidade rítmica que impulsiona a generalidade de todo o alinhamento mas impõem-se num dos momentos chave do registo.  Menção especial para "Cool Water", a última faixa do registo, que agora parece ter sido uma boa ponte para a sonoridade de algumas bandas bem significativas nos anos 1990 (nomeadamente a rapaziada de Oxfordshire, Inglaterra, que até sacou o nome da sua banda a uma música do álbum anterior a este.) 

Para fãs mais acérrimos e defensores do período mais criativo dos Talking Heads, este não seria o trabalho que se podia esperar para encerramento de carreira de uma banda tão distinta e inovadora. 'Naked' pode não ser tão inventivo e vanguardista como alguns dos trabalhos mais relevantes da banda mas é certamente um dos mais musicais e refrescantes.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Fear Of Music - TALKING HEADS


 Lado A
1 I Zimbra (D. Byrne/B. Eno/H. Ball)   3:06
2 Mind (D. Byrne)   4:12
3 Paper (D. Byrne)   2:36
4 Cities (D. Byrne)   4:05
5 Life During Wartime (D. Byrne)   3:41    
6 Memories Can't Wait (D. Byrne)   3:30
 Lado B
1 Air (D. Byrne)   3:33
2 Heaven (D. Byrne)   4:01
3 Animals (D. Byrne)   3:29
4 Electric Guitar (D. Byrne)   2:59
5 Drugs (D. Byrne)   5:13
 
Editado em 1979, 'Fear Of Music' vagueia desvairadamente entre as incríveis deambulações psicóticas de David Byrne e a dimensão estética proporcionada pelo fantástico universo de Brian Eno. O registo evidencia a riqueza de um manancial artístico relevante em que sobressai a precisão de uma criatividade musical decisiva, abrangente e modelar, e uma destreza lírica extraordinária capaz de abordar temáticas fascinantes e inacreditáveis.

"Fear Of Music" conclui-se como um marco importante no período inicial do post-punk. A vaga essência primitiva que caraterizou a decadência do movimento punk estava desfeita mas abriu caminho para um excitante rejuvenescimento musical que ficaria marcado por novas abordagens culturais, novos instrumentos eletrónicos e um grande estímulo para criar música nova sem estar dependente das exigências das grandes editoras. E num outro nível, música e arte fundiram-se em muitos pormenores estéticos e intelectuais, e "Fear Of Music" é um bom exemplo disso mesmo. De certa forma, há aqui algumas semelhanças com o período final que marcou os últimos anos da década de 1960.

Esta viagem incrível tem início com a incongruência Dadaísta de "I Zimbra", em que David Byrne usou o poema 'Gadji Beri Bimba' de Hugo Ball como inspiração para a criação de um dialeto fictício. A vertente rítmica desta música é totalmente Africana. De seguida, a obra prossegue pela via enérgica de um funk urbano, de cariz pop, impulsionado pelo colorido e atento tratamento de Brian Eno, que começava então a tornar-se preponderante na distinta sonoridade dos Talking Heads, enquanto a expressiva e intensa interpretação de David Byrne conduz o registo aos limites de uma atuação teatral com fobias surreais e uma estrutura musical inventiva e muito bem delineada, dentro dos parâmetros de uma pop inteligente e pouco convencional.  

No entanto, não há realmente um estilo que possa definir "Fear Of Music" com exatidão. Consideremo-lo como um trabalho artístico, cerebral e inquietante, abstrato e abundante, de uma plenitude intelectual preciosa e venerável.  

segunda-feira, 10 de junho de 2024

In Visible Silence - THE ART OF NOISE

 

1 Opus 4 (Dudley/Jeczalik/Langan)   2:00
2 Paranoimia (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:45
3 Eye Of A Needle (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:22
4 Legs (Dudley/Jeczalik/Langan)   3:56
5 Slip Of The Tongue (Dudley/Jeczalik/Langan)   1:36
6 Backbeat (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:07
7 Instruments Of Darkness (Dudley/Jeczalik/Langan)   7:11
8 Peter Gunn (featuring Duane Eddy) (Mancini)   3:54
9 Camilla (Dudley/Jeczalik/Langan)   7:22
10 Chameleon's Dish (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:15
11 Beatback (Dudley/Jeczalik/Langan)   1:17
12 Peter Gunn (extended version) (Mancini)   6:00

O faustoso domínio da engenharia musical é uma arte controversa e algo incompreendida. A manipulação eletrónica de sons, através de métodos de processamento maquinal que permitem reproduzir e criar sonoridades inéditas sem recorrer diretamente ao uso de instrumentos musicais convencionais, leva muitas vezes a que se questione a veracidade e legitimidade da música que não é tocada em tempo real, por músicos reais com instrumentos reais.

Os britânicos The Art Of Noise nasceram casualmente em estúdio quando, ainda agregados à equipa de produção de Trevor Horn, se começaram a aperceber da enorme potencialidade tecnológica dos novos equipamentos musicais à sua disposição - nomeadamente do Fairlight CMI Series II sampler, o primeiro sampler em formato de teclado - por volta de 1982. Esta máquina espantosa permitia que se gravasse qualquer som na sua memória, que depois podia ser usado no teclado em toda a sua extensão de notas e frequências. Nos tempos que correm, o sampler é uma das maiores bases da música atual.

Em 1986, ano de edição de 'In Visible Silence', os The Art Of Noise resumiam-se aos três elementos fulcrais da equipa de Trevor Horn; o engenheiro de som Gary Langan, o programador informático J.J. Jeczalick e a teclista e arranjadora Anne Dudley. Este é o primeiro álbum desta formação, depois da edição do trabalho de estreia dos The Art Of Noise ainda com Trevor Horn. Após um período inicial, em que o projeto se dedicava a explorar a melhor forma de aplicar e estruturar, musicalmente, os novos sons ao dispor - tendo como resultado, músicas inovadoras mas algo desconexas - a sonoridade dos The Art Of Noise revelava-se agora no primor e distinção de músicas completas, definidas e bem estruturadas.  

Defina-se 'In Visible Silence' como um trabalho plástico, maquinal, experimental e vanguardista, composto por músicas instrumentais bem quantizadas, estruturalmente encaixadas numa estética mais pop do que rock, ou não fosse esta equipa responsável por alguns dos grandes hits da música pop na primeira metade da década de 1980. Essencialmente uma obra de estúdio, fruto da criatividade intelectual de técnicos que aprenderam a dominar as máquinas e assim retirar o melhor proveito das suas possibilidades, o registo não desilude de forma nenhuma. Composto por músicas incríveis e bastante acessíveis, é um trabalho humano e orgânico criado com a inteligência e o bom gosto de quem não toca mas sabe ouvir.

É difícil resistir à textura e aos padrões melódicos que compõem a musicalidade destas peças extraordinárias, criadas cirurgicamente ao detalhe. Uma obra muito acessível e atrativa em que é possível navegar por momentos tão fantásticos como a subtil tonalidade jazz de "Eye Of A Needle", com participação de Frank Ricotti em vibrafone, o deleite absoluto da serena envolvência de "Camilla" e a aparente improvisação de "Chameleon's Dish" ou a nítida matriz experimental de "Instruments Of Darkness". Peças mais dinâmicas como "Paranoimia", "Legs" e a famosa versão para o tema original de Henry Mancini "Peter Gunn", que aqui conta com a participação de Duane Eddy, guitarrista e autor da versão mais conhecida deste tema, completam o quadro final desta obra conceitual.

domingo, 26 de maio de 2024

Murder Ballads - NICK CAVE AND THE BAD SEEDS


1 Song Of Joy (N. Cave)   6:45
2 Stagger Lee (Traditional/N. Cave/B. Bargeld/Martin P. Casey/M. Harvey/C. Savage/J. Sclavunos/T. Wydler)   5:12
3 Henry Lee (Traditional/N. Cave)   3:54
4 Lovely Creature (N. Cave/B. Bargeld/Martin P. Casey/M. Harvey/T. Wydler)   4:11
5 Where The Wild Roses Grow (N. Cave)   3:54
6 The Curse Of Milhaven (N. Cave)   6:53
7 The Kindness Of Strangers (N. Cave)   4:36
8 Crow Jane (N. Cave)   4:12
9 O' Malley's Bar (N. Cave)   14:27
10 Death Is Not The End (B. Dylan)   4:26

Ao nono trabalho de estúdio, editado em 1996, Nick Cave And The Bad Seeds penetravam bem fundo na matéria mais negra e doentia que a mente humana possa ousar. 'Murder Ballads' é mesmo o que o título evoca, são nove histórias de crimes cometidos por paixão, devoção, vingança, esquizofrenia ou apenas por pura maldade; a décima faixa, "Death Is Not The End", original de Bob Dylan, é uma espécie de redenção final com a missão de encerrar airosamente o registo.

"Stagger Lee" e "Henry Lee" são contos de cariz popular, a que Nick Cave deu o seu cunho, enquanto que o restante material lírico é totalmente da sua autoria. São histórias mórbidas, carregadas do habitual negrume que Cave, e a sua banda, imprime à sua obra e que aqui se revela ainda mais intenso e marcante. Pode-se dizer que este álbum é como que "as flores do mal" de Nick Cave.

Dono de uma lírica soberba e apaixonante, Cave é um verdadeiro sedutor com as palavras mas a sedução também mata e essa é uma das causas de morte para algumas das vítimas intervenientes. Um fértil imaginário soturno, povoado com personagens inocentes que acabam por ser apanhadas desprevenidas em situações de maldade pura, outras por ciúme, vingança ou simplesmente porque toda a beleza deve morrer, ou o delicado encanto gótico pela morte, aqui personificado no pendor de canções muito bonitas e outras mais aguerridas, consoante a obscuridade do tema em si.

Percebe-se que a lírica é um ponto forte do registo mas a música dos Bad Seeds não fica nada atrás, como vem sendo habitual de álbum para álbum. Estas histórias incríveis são narradas, vividas e intensamente cantadas por Nick Cave, mantendo sempre a fiel e dedicada prestação da distinta classe da sua banda que tanto pode evocar um distinto perfil gentil e acolhedor como manifestar uma perturbante disposição demoníaca e arrasadora. 

Com exceção da violência explícita de "Stagger Lee", "The Curse Of Millhaven" e "O' Malley's Bar", músicas acompanhadas por um perfil musical mais aguerrido, a malignidade presente nestes contos está bem dissimulada pela suavidade e ternura com que as músicas são carinhosamente envolvidas. Dado que grande parte das vítimas são mulheres, há várias participações femininas nas vozes mas apenas duas se salientam por uma prestação integral.
 
"Where The Wild Roses Grow", um surpreendente dueto com Kylie Minogue, é uma música lindíssima e não terá sido por acaso que foi escolhida como o single que antecedeu a edição do álbum. "Henry Lee", em dueto com PJ Harvey, é uma encenação perfeita de um ato de vingança sob o formato de uma verdadeira balada. "Lovely Creature" é narrada sob uma ambiência enigmática e sobrenatural que aprofunda o momento. "Song Of Joy" desenvolve-se através de uma marcação lenta e ponderada, que serve de apoio à cuidada narração, até à manifesta presença do coro final. "The Kindness Of Strangers" representa a história mais triste do álbum e a música reflete perfeitamente esse sentimento. "Crow Jane" recupera a temática de uma história de vingança, agora adornada com uma sonoridade Western

Claramente, um registo para ouvir e ler. A edição de capa macia inclui um libreto, colado à capa, que permite acompanhar as letras e consultar os créditos das músicas, onde estão referenciadas as várias participações do álbum.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Siren - ROXY MUSIC


  Lado A
1 Love Is The Drug (Ferry/Mackay)   4:05 
2 End Of The Line (Ferry)   5:14
3 Sentimental Fool (Ferry/Mackay)   6:11
4 Whirlwind (Ferry/Manzanera)   3:34
  Lado B
1 She Sells (Ferry/Jobson)   3:45
2 Could It Happen To Me? (Ferry)   3:37
3 Both Ends Burning (Ferry)   5:12
4 Nightingale (Ferry/Manzanera)   4:05
5 Just Another High (Ferry)   6:28

Qualquer que seja o álbum, ou a época, ouvir Roxy Music tem sido sempre uma experiência fantástica. Há classe, charme e estilo - a que não será alheia a icónica imagem do vocalista Bryan Ferry - há também requinte e exuberância, e um incrível poder de atração ao qual é impossível de resistir depois de se ser por ele apanhado. 

De início, nada parece fazer sentido, nada parece estar no devido lugar. A estrutura musical parece desenquadrada, pouco inspirada e nada apelativa, mas no fundo há uma distinta fluidez artística que percorre a energia de um universo rock que não chega a ser rock, tem o doce perfume da pop sem cheirar a pop, e denuncia algum caráter glam sem grandes devaneios que não sejam mesmo a própria música em si. Os Roxy Music são realmente um caso à parte no percurso evolutivo da música popular da década de 1970 e ainda de 1980. 

Editado em 1975, 'Siren' corresponde ao quinto álbum de estúdio da influente banda britânica e é revelador da inevitável ascensão de Bryan Ferry como líder absoluto do grupo. É uma obra em que a nobreza vocal de Bryan Ferry se funde ainda com algum resquício da estética primordial dos Roxy Music - sintetizadores arriscados, o pontual saxofone, e oboé, de Mackay e o petulante violino elétrico de Eddie Jobson - mas a presença dominante do romântico Bryan Ferry é bem evidente na acessibilidade desta obra e um claro sinal de apontar a um caminho mais convencional.

O registo inicia com a lucidez de uma elegante sequência de três faixas em que sobressai a irresistível sedução de "Love Is A Drug, a maturidade de "End Of The Line" e o intrigante caráter progressivo de "Sentimental Fool". Com "Whirlwind" dá-se um primeiro abanão no álbum, um indiciante turbilhão, que se estende à segunda parte através da aprazível agilidade de "She Sells" e estimula a evidência bipolar de "Could It Happen To Me?", incita o futurismo latente em "Both Ends Burning, a peculiaridade estética de "Nightingale" e a feição convencional de "Just Another High" para finalizar.

A sereia da capa era a conhecida modelo norte-americana Jerry Hall, companheira de Bryan Ferry à data, que poucos anos depois escorregaria para as mãos de outra estrela rock ... Mick Jagger ... 

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Pagan Place - THE WATERBOYS


1 Church Not Made With Hands (M. Scott)   6:01
2 All The Things She Gave Me (M. Scott)   4:31
3 The Thrill Is Gone (M. Scott)   4:30
4 Rags (M. Scott)   5:17
5 Somebody Might Wave Back (M. Scott)   2:41
6 The Big Music (M. Scott)   4:41
7 Red Army Blues (M. Scott)   8:03
   a) A Song Of The Steppes
   b) Red Army Blues
8 A Pagan Place (M. Scott)   5:12

Editado em 1984, 'A Pagan Place' corresponde ao segundo álbum de originais para os Waterboys, projeto do escocês Mike Scott que no primeiro registo da "banda" assumiu todo o trabalho de compor e gravar, tocando a grande maioria dos instrumentos. Por aqui se podia afirmar que, de início, este seria o projeto a solo do notável e talentoso músico escocês mas a sua real pretensão baseava-se na evolução dos Waterboys como uma banda, na verdadeira aceção da palavra, que seria sustentada por vários músicos que podiam variar de disco para disco. 

Os Waterboys foram aparecendo a pouco e pouco enquanto Mike Scott ia também gravando as suas composições, aproveitando as capacidades disponíveis de cada um. 'A Pagan Place' é como que um reflexo da evolução da banda e contém músicas gravadas em diferentes períodos de tempo; "The Thrill Is Gone", "All The Things She Gave Me" e "Red Army Blues", pertencem ainda a sessões de gravação feitas em Novembro de 1982, "Church Not Made With Hands", "The Big Music", "A Pagan Place" e "Rags", correspondem a sessões de gravação efetuadas no Outono de 1983, enquanto que apenas "Somebody Might Wave Back" foi gravada em 1984, o ano de edição do registo. 

Nas gravações de 1982, Mike Scott contava já com a participação de Anthony Thistlethwaite no saxofone e também no bandolim, Kevin Wilkinson na bateria e Tim Blanthorn no violino. O baixista Nick Linden partilhou alguns dos momentos com Mike Scott. Para as sessões de 1983, Scott evidencia um bom entrosamento musical com Thistlethwaite e Wilkinson, a que se vão juntar o pianista Karl Wallinger e o trompetista Roddy Lorimer. A primeira formação dos Waterboys, como uma banda mais completa, ficava assim definida para os próximos tempos. 

Apesar da diferença temporal que separa os períodos de gravação, percebe-se haver um estilo que define a sonoridade de Mike Scott. As canções seguem uma linha predominantemente rock em que se sente o espairecer da naturalidade da música folk. É um trabalho tão natural e sincero que resulta de um percurso feito com aptidão e gosto, embalado pelo objetivo de alcançar a almejada big music. E pode-se dizer que ela está aqui. Não nos moldes mais elevados mas numa vertente mais singela e bem conseguida, determinada certamente pela vontade e devoção de uma entrega de corpo e alma para com todo o processo.  

A firmeza de "The Big Music" é realmente o ponto alto do registo com a altivez e distinção da sua riqueza musical. Segue-se-lhe o sentido dramatismo de "Red Army Blues", numa composição triste mas tão cheia de significado, cuja introdução é feita através de um pequeno apontamento coral para "A Song Of The Steppes", uma das melodias clássicas da música Russa. A sucessão ordenada por este escriba dita ainda, preferencialmente, que "Somebody Might Wave Back" é o momento que se segue, por também evidenciar alguma daquela grandiosidade atrás descrita. "Rags" é intensa, vigorosa e expansiva, a moderada musicalidade de "All The Things She Gave Me" é agradável e atraente, enquanto que "Church Not Made With Hands é suficientemente enérgica mas pouco expressiva. Em "The Thrill Is Gone" encontra-se a sonoridade folk que os Waterboys iriam explorar alguns anos depois e o registo encerra com a faixa homónima ainda sob o desígnio de algum teor acústico.