terça-feira, 29 de outubro de 2024

Songs In The Key Of Life - STEVIE WONDER - LP02


 Lado A
Isn't She Lovely (S. Wonder)   6:33
Joy Inside My Tears (S. Wonder)   6:29
Black Man (S. Wonder)   8:29
 Lado B
Ngiculela - Es Una Historia - I Am Singing   (S. Wonder)   3:48
If It's Magic (S. Wonder)   3:11
3 As (S. Wonder)   7:07
Another Star (S. Wonder)   8:19

À semelhança do que sucede na outra metade deste registo duplo, Stevie Wonder volta a iniciar em modo solo, contando apenas com a participação do teclista Gregg Phillinganes em "Isn't She Lovely" e "Joy Inside My Tears". Começo notável com uma das músicas mais emblemáticas da sua carreira, "Isn't She Lovely" expressa a alegria inata de Stevie Wonder na intimidade de um momento tão especial como o nascimento da sua filha Aisha. O final da música prolonga-se com um solo improvisado de harmónica, por Stevie Wonder, que garante a jovialidade desta música até à sua conclusão. "Joy Inside My Tears" manifesta-se por um andamento lento e pelo tom vocal grave, que resulta numa bonita melodia, em jeito de balada, muito ao estilo de algumas das peças que Rick Davies assinaria para os Supertramp.   

O lado A encerra com uma lição de história dissimulada em música sob o título "Black Man", um desfile de factos e nomes reveladores da contribuição multirracial, envolvendo alguns dos intervenientes na história da humanidade. É Stevie Wonder quem comanda toda a execução da música, em balanço funky, tendo apenas o apoio de um naipe de sopros.

O lado B começa por revelar a distinta inclusão de duas músicas que fogem ao perfil geral deste álbum e acentuam a sua agilidade como uma peça de trabalho versátil e abrangente; "Ngiculela - Es Una Historia - I Am Singing" funde o odor exótico das tonalidades étnicas e "If It's Magic" é um dueto com a harpista Dorothy Ashby para um momento simpático e delicado.

Para o final estavam guardados os momentos mais "intensos" deste registo, com "As" e "Another Star", e onde se incluem as formações mais completas. "As" será uma das músicas mais vibrantes pela sua crescente ambiência e entrega até alcançar uma espiral hipnótica que permanece vívida num ritmo contagiante e definido. Entre os nomes apontados nos créditos desta música destaca-se o de Herbie Hancock nas teclas. Por fim, será o inquieto balanço salsa/disco de "Another Star" a encerrar as hostes em tom festivo e bamboleante. As prestações de George Benson, discreto na guitarra elétrica, e de Bobbi Humphrey, solta na flauta, sobressaem entre os créditos desta última música.

Obra concluída com maturidade, boa disposição e a naturalidade de algum virtuosismo.

sábado, 19 de outubro de 2024

Songs In The Key Of Life - STEVIE WONDER - LP01


 Lado A
1 Love's In Need Of Love Today (S. Wonder)   7:05
2 Have A Talk With God (S. Wonder/C. Hardaway)   2:42
3 Village Ghetto Land (S. Wonder/S. Byrd)   3:25
4 Contusion (S. Wonder)   3:45
5 Sir Duke (S. Wonder)   3:52
 Lado B
1 I Wish (S. Wonder)   4:12
2 Knocks Me Off My Feet (S. Wonder)   3:35
3 Pastime Paradise (S. Wonder)   3:20
4 Summer Soft (S. Wonder)   4:16
5 Ordinary Pain (S. Wonder)   6:22

O cidadão norte-americano Stevland Morris manifesta um eterno agradecimento ao seu alter ego, Stevie Wonder, por este lhe ter aberto as portas do mundo artístico e assim lhe ter proporcionado a oportunidade de expressar os seus próprios sentimentos através de música. Uma enorme gratidão, que em 1976 mostrou estar em perfeita sintonia com a vida através de uma dupla edição em vinil sob o título "Songs In The Key Of Life".

Fruto de um manancial de produção musical incrível, terão sido gravadas perto de duas centenas de canções, o que levou a que houvessem consequentes adiamentos para a edição deste álbum devido a haver sempre música nova para incluir no alinhamento, ao ponto da edição final deste duplo registo incluir ainda um EP extra com mais quatro músicas - no entanto, a edição que este escriba adquiriu, no mercado dos discos usados, já não tinha o EP pelo que o mesmo não irá constar destes registos. 

É uma obra relevante e uma autêntica celebração de vida, que se complementa por uma atitude positiva e uma alegria contagiante. Espontâneo, espiritual, profícuo e sincero, Stevie Wonder revela uma grande afeição humana pelo próximo e uma enorme devoção de fé nas suas crenças. Impulsionado pela firmeza dos valores em que acredita, emprega o talento de uma liberdade artística total para criar música que cativa, entusiasma e emociona, pessoas de todos os credos, raças e cores. 

Neste primeiro registo, desta dupla edição, Stevie Wonder começa por aparecer sozinho na execução das três primeiras músicas; em que representa um mensageiro que proclama a urgência em usar o amor para alcançar a harmonia entre todos através da moderada pop/soul de "Love's In Need Of Love Today", explora a sua devoção pelos sintetizadores no contraste espiritual de "Have A Talk With God" e aplica as cordas sintetizadas para dar um toque classicista a "Village Ghetto Land". Reaparece sozinho para a interpretação de "Knocks Me Off My Feet", em nova abordagem pop/soul moderado. Estas quatro faixas possibilitam ouvir Stevie Wonder na execução total dos instrumentos que domina, das teclas à bateria. 

O alinhamento conta com a adição de uma formação completa para três músicas, que sobressaem pela sua vivacidade. O primeiro sinal dessa prestação dá-se com "Contusion", um instrumental intenso e complexo, que por momentos faz pensar se nos teremos enganado no disco. Uma excitante torrente de jazz/rock a lembrar, e muito, a energia da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin. O aroma do jazz mantém-se na incontornável "Sir Duke", simpático tributo a Duke Ellington, que ficou marcada pelo cativante arranjo para os sopros e ainda se sente algum deste fulgor no balanço funky de "I Wish".

Nas três músicas que encerram este primeiro disco, Stevie Wonder volta a assumir sozinho grande parte da execução musical, apenas recorrendo a pontuais participações para instrumentos fulcrais. Na celestial "Pastime Paradise", que em 1995 seria exemplarmente recuperada pelo rapper norte-americano Coolio como "Gangsta's Paradise", conta com uma inclusão coral e alguma percussão. Para uma nova abordagem pop/soul com "Summer Soft", o orgão vem de Ronnie Foster e a guitarra ritmo pertence a Ben Bridges. "Ordinary Pain" é uma espécie de pop/soul progressiva que evolui para uma estrutura mais aguerrida sob a forte vocalização de Shirley Brewer, o sax alto de Hank Redd e a guitarra elétrica de Michael Sembello.

O șegundo disco, da edição, vem a seguir ...

sábado, 5 de outubro de 2024

Magic And Loss - LOU REED

 

Lado A
1 DORITA / The Spirit (L. Reed)   1:07
2 WHAT'S GOOD / The Thesis (L. Reed)   3:22
3 POWER AND GLORY / The Situation (L. Reed/M. Rathke)   4:23
4 MAGICIAN / Internally (L. Reed)   6:23
5 SWORD OF DAMOCLES / Externally (L. Reed)   3:42
6 GOODBY MASS / In A Chapel Bodily Termination (L. Reed)   4:25
7 CREMATION / Ashes To Ashes (L. Reed)   2:54
8 DREAMIN' / Escape (L. Reed/M. Rathke)   5:07
Lado B
1 NO CHANCE / Regret (L. Reed)   3:15
2 WARRIOR KING / Revenge (L. Reed)   4:27
3 HARRY'S CIRCUMCISION / Reverie Gone Astray (L. Reed)   5:28
4 GASSED AND STOKED / Loss (L. Reed/M. Rathke)   4:18
POWER AND GLORY PART II/ Magic.Transformation (L. Reed/M. Rathke)   2:57
6 MAGIC AND LOSS / The Summation (L. Reed/M. Rathke)   6:39

Em 1991, Lou Reed extravasava a dor sentida pela recente perda de dois amigos muito próximos, que faleceram de cancro, através da gravação de um novo trabalho original. Gravado em 1991 e só editado em 1992, 'Magic And Loss' é um registo simbólico, uma última homenagem, focado numa memória refletida que percorre os momentos de bravura de uma luta inglória mas persistente, com animosidade suficiente para aguentar até ao fim. 

É, em certa medida, um álbum triste, mas é também musicalmente atrativo, entusiástico e envolvente. O registo obedece à natureza rítmica das guitarras, numa fluência de riffs e fraseados vitais, que conduzem o álbum através de várias dinâmicas, alimentadas pelo puro magnetismo de canções sólidas e pela profunda ambiência de alguns momentos mais sensíveis. O registo carateriza-se ainda por uma temática dúbia, nos títulos, entre a expectativa da magia e a inevitabilidade da realidade (perda). 

Esta é uma época em que Lou Reed se apresenta revigorado, mais calmo e atento, mais consciente do mundo que o rodeia. A nível musical, mostra-se seguro, criativo, eloquente e aberto a novos conteúdos. O álbum foi gravado no habitual formato rock com duas guitarras elétricas, baixo e bateria, mas há dois pormenores que marcam distintivamente o seu efeito no registo - o guitarrista Mike Rathke, que partilha o trabalho de produção e a co-autoria, para algumas músicas, com Lou Reed, utiliza em alguns momentos uma guitarra Casio, instrumento responsável pela ambiência sintetizada em: "Sword of Damocles", "Dreamin'", "Harry's Circumcision" e na faixa homónima "Magic and Loss". Rob Wasserman gravou com um contrabaixo elétrico Clevinger de 6 cordas, instrumento híbrido que combina as tonalidades do baixo elétrico, do baixo fretless e do contrabaixo, o que permite uma versatilidade tímbrica incrível das tonalidades do baixo ao longo de todo o registo.

É uma obra musical exímia, honesta e esclarecedora, evidenciada por uma harmonia incrível resultante de uma completa interação das canções com a seca vivacidade das guitarras, num lamento inspirado e libertador, impulsionado por uma lírica expressiva, real e sincera, que prende, cativa e surpreende, pela sua genuinidade.