domingo, 26 de maio de 2024

Murder Ballads - NICK CAVE AND THE BAD SEEDS


1 Song Of Joy (N. Cave)   6:45
2 Stagger Lee (Traditional/N. Cave/B. Bargeld/Martin P. Casey/M. Harvey/C. Savage/J. Sclavunos/T. Wydler)   5:12
3 Henry Lee (Traditional/N. Cave)   3:54
4 Lovely Creature (N. Cave/B. Bargeld/Martin P. Casey/M. Harvey/T. Wydler)   4:11
5 Where The Wild Roses Grow (N. Cave)   3:54
6 The Curse Of Milhaven (N. Cave)   6:53
7 The Kindness Of Strangers (N. Cave)   4:36
8 Crow Jane (N. Cave)   4:12
9 O' Malley's Bar (N. Cave)   14:27
10 Death Is Not The End (B. Dylan)   4:26

Ao nono trabalho de estúdio, editado em 1996, Nick Cave And The Bad Seeds penetravam bem fundo na matéria mais negra e doentia que a mente humana possa ousar. 'Murder Ballads' é mesmo o que o título evoca, são nove histórias de crimes cometidos por paixão, devoção, vingança, esquizofrenia ou apenas por pura maldade; a décima faixa, "Death Is Not The End", original de Bob Dylan, é uma espécie de redenção final com a missão de encerrar airosamente o registo.

"Stagger Lee" e "Henry Lee" são contos de cariz popular, a que Nick Cave deu o seu cunho, enquanto que o restante material lírico é totalmente da sua autoria. São histórias mórbidas, carregadas do habitual negrume que Cave, e a sua banda, imprime à sua obra e que aqui se revela ainda mais intenso e marcante. Pode-se dizer que este álbum é como que "as flores do mal" de Nick Cave.

Dono de uma lírica soberba e apaixonante, Cave é um verdadeiro sedutor com as palavras mas a sedução também mata e essa é uma das causas de morte para algumas das vítimas intervenientes. Um fértil imaginário soturno, povoado com personagens inocentes que acabam por ser apanhadas desprevenidas em situações de maldade pura, outras por ciúme, vingança ou simplesmente porque toda a beleza deve morrer, ou o delicado encanto gótico pela morte, aqui personificado no pendor de canções muito bonitas e outras mais aguerridas, consoante a obscuridade do tema em si.

Percebe-se que a lírica é um ponto forte do registo mas a música dos Bad Seeds não fica nada atrás, como vem sendo habitual de álbum para álbum. Estas histórias incríveis são narradas, vividas e intensamente cantadas por Nick Cave, mantendo sempre a fiel e dedicada prestação da distinta classe da sua banda que tanto pode evocar um distinto perfil gentil e acolhedor como manifestar uma perturbante disposição demoníaca e arrasadora. 

Com exceção da violência explícita de "Stagger Lee", "The Curse Of Millhaven" e "O' Malley's Bar", músicas acompanhadas por um perfil musical mais aguerrido, a malignidade presente nestes contos está bem dissimulada pela suavidade e ternura com que as músicas são carinhosamente envolvidas. Dado que grande parte das vítimas são mulheres, há várias participações femininas nas vozes mas apenas duas se salientam por uma prestação integral.
 
"Where The Wild Roses Grow", um surpreendente dueto com Kylie Minogue, é uma música lindíssima e não terá sido por acaso que foi escolhida como o single que antecedeu a edição do álbum. "Henry Lee", em dueto com PJ Harvey, é uma encenação perfeita de um ato de vingança sob o formato de uma verdadeira balada. "Lovely Creature" é narrada sob uma ambiência enigmática e sobrenatural que aprofunda o momento. "Song Of Joy" desenvolve-se através de uma marcação lenta e ponderada, que serve de apoio à cuidada narração, até à manifesta presença do coro final. "The Kindness Of Strangers" representa a história mais triste do álbum e a música reflete perfeitamente esse sentimento. "Crow Jane" recupera a temática de uma história de vingança, agora adornada com uma sonoridade Western

Claramente, um registo para ouvir e ler. A edição de capa macia inclui um libreto, colado à capa, que permite acompanhar as letras e consultar os créditos das músicas, onde estão referenciadas as várias participações do álbum.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Siren - ROXY MUSIC


  Lado A
1 Love Is The Drug (Ferry/Mackay)   4:05 
2 End Of The Line (Ferry)   5:14
3 Sentimental Fool (Ferry/Mackay)   6:11
4 Whirlwind (Ferry/Manzanera)   3:34
  Lado B
1 She Sells (Ferry/Jobson)   3:45
2 Could It Happen To Me? (Ferry)   3:37
3 Both Ends Burning (Ferry)   5:12
4 Nightingale (Ferry/Manzanera)   4:05
5 Just Another High (Ferry)   6:28

Qualquer que seja o álbum, ou a época, ouvir Roxy Music tem sido sempre uma experiência fantástica. Há classe, charme e estilo - a que não será alheia a icónica imagem do vocalista Bryan Ferry - há também requinte e exuberância, e um incrível poder de atração ao qual é impossível de resistir depois de se ser por ele apanhado. 

De início, nada parece fazer sentido, nada parece estar no devido lugar. A estrutura musical parece desenquadrada, pouco inspirada e nada apelativa, mas no fundo há uma distinta fluidez artística que percorre a energia de um universo rock que não chega a ser rock, tem o doce perfume da pop sem cheirar a pop, e denuncia algum caráter glam sem grandes devaneios que não sejam mesmo a própria música em si. Os Roxy Music são realmente um caso à parte no percurso evolutivo da música popular da década de 1970 e ainda de 1980. 

Editado em 1975, 'Siren' corresponde ao quinto álbum de estúdio da influente banda britânica e é revelador da inevitável ascensão de Bryan Ferry como líder absoluto do grupo. É uma obra em que a nobreza vocal de Bryan Ferry se funde ainda com algum resquício da estética primordial dos Roxy Music - sintetizadores arriscados, o pontual saxofone, e oboé, de Mackay e o petulante violino elétrico de Eddie Jobson - mas a presença dominante do romântico Bryan Ferry é bem evidente na acessibilidade desta obra e um claro sinal de apontar a um caminho mais convencional.

O registo inicia com a lucidez de uma elegante sequência de três faixas em que sobressai a irresistível sedução de "Love Is A Drug, a maturidade de "End Of The Line" e o intrigante caráter progressivo de "Sentimental Fool". Com "Whirlwind" dá-se um primeiro abanão no álbum, um indiciante turbilhão, que se estende à segunda parte através da aprazível agilidade de "She Sells" e estimula a evidência bipolar de "Could It Happen To Me?", incita o futurismo latente em "Both Ends Burning, a peculiaridade estética de "Nightingale" e a feição convencional de "Just Another High" para finalizar.

A sereia da capa era a conhecida modelo norte-americana Jerry Hall, companheira de Bryan Ferry à data, que poucos anos depois escorregaria para as mãos de outra estrela rock ... Mick Jagger ... 

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Pagan Place - THE WATERBOYS


1 Church Not Made With Hands (M. Scott)   6:01
2 All The Things She Gave Me (M. Scott)   4:31
3 The Thrill Is Gone (M. Scott)   4:30
4 Rags (M. Scott)   5:17
5 Somebody Might Wave Back (M. Scott)   2:41
6 The Big Music (M. Scott)   4:41
7 Red Army Blues (M. Scott)   8:03
   a) A Song Of The Steppes
   b) Red Army Blues
8 A Pagan Place (M. Scott)   5:12

Editado em 1984, 'A Pagan Place' corresponde ao segundo álbum de originais para os Waterboys, projeto do escocês Mike Scott que no primeiro registo da "banda" assumiu todo o trabalho de compor e gravar, tocando a grande maioria dos instrumentos. Por aqui se podia afirmar que, de início, este seria o projeto a solo do notável e talentoso músico escocês mas a sua real pretensão baseava-se na evolução dos Waterboys como uma banda, na verdadeira aceção da palavra, que seria sustentada por vários músicos que podiam variar de disco para disco. 

Os Waterboys foram aparecendo a pouco e pouco enquanto Mike Scott ia também gravando as suas composições, aproveitando as capacidades disponíveis de cada um. 'A Pagan Place' é como que um reflexo da evolução da banda e contém músicas gravadas em diferentes períodos de tempo; "The Thrill Is Gone", "All The Things She Gave Me" e "Red Army Blues", pertencem ainda a sessões de gravação feitas em Novembro de 1982, "Church Not Made With Hands", "The Big Music", "A Pagan Place" e "Rags", correspondem a sessões de gravação efetuadas no Outono de 1983, enquanto que apenas "Somebody Might Wave Back" foi gravada em 1984, o ano de edição do registo. 

Nas gravações de 1982, Mike Scott contava já com a participação de Anthony Thistlethwaite no saxofone e também no bandolim, Kevin Wilkinson na bateria e Tim Blanthorn no violino. O baixista Nick Linden partilhou alguns dos momentos com Mike Scott. Para as sessões de 1983, Scott evidencia um bom entrosamento musical com Thistlethwaite e Wilkinson, a que se vão juntar o pianista Karl Wallinger e o trompetista Roddy Lorimer. A primeira formação dos Waterboys, como uma banda mais completa, ficava assim definida para os próximos tempos. 

Apesar da diferença temporal que separa os períodos de gravação, percebe-se haver um estilo que define a sonoridade de Mike Scott. As canções seguem uma linha predominantemente rock em que se sente o espairecer da naturalidade da música folk. É um trabalho tão natural e sincero que resulta de um percurso feito com aptidão e gosto, embalado pelo objetivo de alcançar a almejada big music. E pode-se dizer que ela está aqui. Não nos moldes mais elevados mas numa vertente mais singela e bem conseguida, determinada certamente pela vontade e devoção de uma entrega de corpo e alma para com todo o processo.  

A firmeza de "The Big Music" é realmente o ponto alto do registo com a altivez e distinção da sua riqueza musical. Segue-se-lhe o sentido dramatismo de "Red Army Blues", numa composição triste mas tão cheia de significado, cuja introdução é feita através de um pequeno apontamento coral para "A Song Of The Steppes", uma das melodias clássicas da música Russa. A sucessão ordenada por este escriba dita ainda, preferencialmente, que "Somebody Might Wave Back" é o momento que se segue, por também evidenciar alguma daquela grandiosidade atrás descrita. "Rags" é intensa, vigorosa e expansiva, a moderada musicalidade de "All The Things She Gave Me" é agradável e atraente, enquanto que "Church Not Made With Hands é suficientemente enérgica mas pouco expressiva. Em "The Thrill Is Gone" encontra-se a sonoridade folk que os Waterboys iriam explorar alguns anos depois e o registo encerra com a faixa homónima ainda sob o desígnio de algum teor acústico.