terça-feira, 29 de abril de 2025

The Jazz Composer's Orchestra - THE JAZZ COMPOSER'S ORCHESTRA - LP02


 Lado A
Communications #11 - Part 1 (Mantler)   15:10
 Lado B
2 Communications #11 - Part 2 (Mantler)   17:47

O segundo disco desta dupla edição é totalmente preenchido com a peça "Communications #11" que se divide, integralmente, pelas duas faces do disco. Este é um momento de improvisação pura, em autêntico estado bruto, corroborado pela ousadia de um desenlace frenético e avassalador sob a imponência da agressividade tonal da prestação do pianista Cecil Taylor, o solista desta peça. Movido por intuição ou por um verdadeiro rasgo de genuinidade, o impacto da entrega de Cecil Taylor é tremendo e revelador da sua autoridade nos domínios estéticos do movimento free jazz.

Part I
Cecil Taylor surge integrado, logo de início, no plano ordenado da orquestra, movendo-se já numa esquizofrenia tonal de proporções anárquicas que se vão desenvolvendo até atingir a sua integridade já num patamar muito sui generis, em que apenas a secção rítmica se mantém em jogo, com o baterista Andrew Cyrille a sobressair cadencialmente ao lado de Cecil Taylor. A peça cresce ao ponto de tal frenesim em que o próprio Cecil Taylor acaba por preencher a posição ocupada anteriormente pela orquestra, que ainda retorna para um discreto remate final da primeira parte da peça. 

Part II
A dinâmica estrutural da segunda parte da peça apresenta-se mais desenvolta, o que permite uma libertação total de Cecil Taylor e torna-o definitivamente na orquestra. É um ato de protesto ou a 
simbólica metamorfose de um elemento coletivo na força expressa da extraordinária sobreposição da individualidade sob a altivez dos valores revolucionários e da arte mais abstrata. A orquestra acaba por retomar a sua posição, prudentemente, para conduzir a última secção e completar, no plano inverso, o ciclo iniciado na primeira parte da peça.

Obra muito intensa para ouvidos mais sensíveis e pouco habituados a experiências sonoras imprevisíveis. Intencionalmente complexa e provocante, a obra da Jazz Composer's Orchestra propõe-se de forma inovadora e arriscada perante a supremacia das instituições que proclamam quais os desígnios a seguir. Liberal, espontânea e intelectual, porque há realmente um conceito a seguir, o coletivo liderado por Michael Mantler mostra aqui a força da sua convicção em lutar pelo direito de ser uma entidade original, autêntica e integra.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

The Jazz Composer's Orchestra - THE JAZZ COMPOSER'S ORCHESTRA - LP01


  Side A
Communications #8 (Mantler)   13:52
Communications #9 (Mantler)   8:08
 Side B
Communications #10 (Mantler)   13:26
2 Preview (Mantler)   3:23

Em 1968, sob a liderança do trompetista e compositor Michael Mantler, a Jazz Composer's Orchestra reunia alguns dos músicos mais representativos do movimento free jazz nos finais da década de 1960. A orquestra pretendia afirmar-se como uma unidade de protesto, ao nível de uma instituição política e social, em que os músicos pudessem explorar a sua veia criativa sem depender de exigências editoriais e comerciais. No fundo, procurava-se elevar a força expressiva do free jazz ao nível corporal de uma orquestra. 

Nestas sessões, Michael Mantler deixou o trompete de lado e focou a sua atenção no trabalho de composição, produção e regência da orquestra. Apesar do conceito liberal que envolve esta música, há regras a cumprir; há música escrita e um maestro para assegurar que a obra segue o caminho estruturado; só os solistas, também eles compositores, estão autorizados a exteriorizar a sua palavra, o seu grito, como uma convulsão sonora imediata e espontânea. Para além de se tratar de uma peça musical original, com caráter vanguardista, é uma obra de arte determinadamente radical e ofensiva, movida pelo empenho genuíno do seu cariz ativista. É também uma referência na evolução da música improvisada. 

O primeiro disco, desta dupla edição em vinil, integra quatro peças que foram gravadas em períodos diferentes; "Communications #8" foi gravada em 24 Janeiro de 1968, enquanto que as restantes três peças foram gravadas em 8 Maio de 1968. A orquestra é composta por 21 elementos e sofre algumas alterações entre as datas. 

"Communications #8" é uma peça transversal que discorre ao jeito de um intercalar de diálogos imprevisíveis. É o único momento do registo em que participam dois solistas; Don Cherry em cornetim e Gato Barbieri em Sax tenor. É Don Cherry quem intervém primeiro como solista, após a orquestra expor a progressão do movimento da composição. Gato Barbieri surge a meio da peça mas o impacto maior é mesmo de Don Cherry. Composição ritmada, desregrada e impaciente.

Em "Communications #9" explora-se o poderio da amplificação com o guitarrista Larry Coryell a ser aqui o elemento central da peça. Composição abstrata e dramática em que a orquestra se mantém em modo expectante de forma a ceder espaço à improvisação de Larry Coryell na guitarra elétrica. Aqui prevalecem os fraseados inopinados e a provocação do feedback incutido.

"Communications #10" foca-se nas tonalidades graves e apresenta-se com um teor mais controlado e percussivo, em que a liberdade de improvisação é concedida à agilidade do trombonista Roswell Rudd. No entanto, não deixa de ser curioso que dois elementos da orquestra tenham também intervenções como solistas nesta peça; Steve Swallow, um dos cinco contrabaixos da orquestra, dá inicio a esta composição com um pequeno solo a servir como introdução enquanto que a meio da peça a orquestra fica suspensa para que o baterista Beaver Harris faça também um curto apontamento solista a par da improvisação de Roswell Rudd. Composição de estrutura mais moderada e acessível.

"Preview" corresponde ao momento de maior intensidade destas sessões através do exultante grito de Pharoah Sanders com o seu sax-tenor, sob a pujança do crescente pulsar da orquestra. Uma peça bem expressiva, rebelde, aflitiva e autêntica, naquela que é também a composição mais curta do registo.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Missão Amar-te - mARCIANO


1 2 Vidas (Marciano Homem de Marte/Jorge Vaz Dias)   1:18
2 Bissectriz (Marciano Homem de Marte)   4:06
3 Gaia (Marciano Homem de Marte)   3:14
4 Roleta Russa (Marciano Homem de Marte)   5:22
5 Missão Amar-te (Marciano Homem de Marte)   4:16
6 O Tempo Não Volta Atrás (Marciano Homem de Marte)   2:55
7 Punhado De Areia (Marciano Homem de Marte/MC Santiago)   1:32
8 Este Coração Não É O Meu (Marciano Homem de Marte)   4:45
9 Soldado (Francisco J. Resende)   5:05
10 Sem Remédio (Marciano Homem de Marte/F. Espanca)   4:05
11 Meumorial (Marciano Homem de Marte)   4:40
12 Tremor (Marciano Homem de Marte)   5:20
13 Costas Em Costas (Jorge Vaz Dias)   1:06

É difícil desassociar Marte como um símbolo bélico. Com origem na mitologia romana, como denominação divina do deus da guerra, o nome de Marte seria depois usado para batizar o quarto planeta do nosso sistema solar. Em 1898 foi publicado o fantástico livro "The War of the Worlds", em que H.G. Wells fantasia uma invasão extra-terrestre praticada por Marcianos que pretendem dominar a Terra. Nas vésperas do início da 1ª Guerra Mundial, Gustav Holst concluía a suite orquestral "The Planets" e atribuia a Marte o sub-título "The Bringer of War". Em tempos mais próximos, no ano de 1996, Tim Burton realizou "Mars Attacks!" uma obra cinematográfica centrada numa caótica invasão Marciana. Estes são apenas alguns exemplos conhecidos do simbolismo bélico de Marte, outros mais haverão. 

Chegados a 2025, deparamos-nos com um mundo algo insano em que neste momento parece que a única coisa que nos falta mesmo acontecer seria uma invasão extra-terrestre. No entanto, com um subtil jogo de palavras, mARCIANO inverte todo o sentido de uma inquietante viagem científica ao planeta belicoso e torna-a numa demanda pelo amor mais puro, em busca da única força que pode realmente unir, e convida-nos a todos para participar nela.

De novo em edição de autor, "Missão Amar-te" confirma mARCIANO como um herdeiro legítimo do cançonetismo português, capaz de expressar a sua sinceridade musical em canções pop de tonalidade mais escura e adulta, intimamente emolduradas por uma dinâmica maquinal que complementa a firme aliança de uma secção rítmica bem presente e enquadrada, composta por Rui Geada, no baixo, e Nuno Francisco, na bateria. David Wolf colaborou nos arranjos, nas guitarras e nos sintetizadores, e ainda assumiu todo o trabalho de produção; exceção para as músicas "Bissectriz" e "Missão Amar-te", gravadas anteriormente e produzidas por Paulo Pereira, e "Sem Remédio", uma co-produção mARCIANO/Ricardo Simões.

Amar é a missão e tem na faixa título a força de um hino maior, pleno de esperança e entrega, com tendências evidentes do estilo que se denominou como Música Moderna Portuguesa nos anos de 1980. Neste ponto, mARCIANO explora bem a Portugalidade da sua obra numa carinhosa devoção pelo passado em busca de inspiração divina para o presente. A sentida presença da guitarra Portuguesa de Carlos Amado em "Bissectriz" e "Este Coração Não É Meu", a fiel versão para "Soldado", original dos Sitiados, e a etérea adaptação do poema "Sem Remédio" de Florbela Espanca, reforçam a afeição de mARCIANO pelas suas raízes lusitanas. A poesia tem também o seu espaço próprio no registo, com "2 Vidas" a cumprir as funções de prólogo e "Costas Em Costas" a ser o epílogo. Ambos os poemas são da autoria de Jorge Vaz Dias e são loquazmente declamados pela venerável voz de António Cova. "Punhado De Areia" é o outro poema incluído no álbum e parece cumprir a função de interlúdio, com uma declamação profundamente visceral pela sua autora MC Santiago.

O grito urgente da consciência ambiental de "Gaia", o desespero e impotência do Homem perante a força da brutalidade humana em "Roleta Russa", os laivos neo-classicistas de "O Tempo Não Volta Atrás" e as incríveis reminiscências euro-pop de "Meumorial", são momentos ímpares e conscientes, habilmente convertidos como música eficaz, sincera, direta e muito atual mas ...  ainda há ... "Tremor", uma música extraordinária em que, logo numa primeira audição, temos a sensação de que fez sempre parte da nossa vida. Tem uma dimensão imensurável. É intensa, emotiva e arrepiante, extraordinariamente arrebatadora, e encontra-se envolvida pelo efeito mágico dos inebriantes violinos elétricos do britânico Matt Howden, mais conhecido pelo seu projeto solo como Sieben.

O álbum está editado nos formatos digital, vinil e CD, e pode ser adquirido em https://marcianodemarte.bandcamp.com/album/miss-o-amar-te ou escutado nas habituais plataformas digitais.