terça-feira, 25 de junho de 2024

Fear Of Music - TALKING HEADS


 Lado A
1 I Zimbra (D. Byrne/B. Eno/H. Ball)   3:06
2 Mind (D. Byrne)   4:12
3 Paper (D. Byrne)   2:36
4 Cities (D. Byrne)   4:05
5 Life During Wartime (D. Byrne)   3:41    
6 Memories Can't Wait (D. Byrne)   3:30
 Lado B
1 Air (D. Byrne)   3:33
2 Heaven (D. Byrne)   4:01
3 Animals (D. Byrne)   3:29
4 Electric Guitar (D. Byrne)   2:59
5 Drugs (D. Byrne)   5:13
 
Editado em 1979, 'Fear Of Music' vagueia desvairadamente entre as incríveis deambulações psicóticas de David Byrne e a dimensão estética proporcionada pelo fantástico universo de Brian Eno. O registo evidencia a riqueza de um manancial artístico relevante em que sobressai a precisão de uma criatividade musical decisiva, abrangente e modelar, e uma destreza lírica extraordinária capaz de abordar temáticas fascinantes e inacreditáveis.

"Fear Of Music" conclui-se como um marco importante no período inicial do post-punk. A vaga essência primitiva que caraterizou a decadência do movimento punk estava desfeita mas abriu caminho para um excitante rejuvenescimento musical que ficaria marcado por novas abordagens culturais, novos instrumentos eletrónicos e um grande estímulo para criar música nova sem estar dependente das exigências das grandes editoras. E num outro nível, música e arte fundiram-se em muitos pormenores estéticos e intelectuais, e "Fear Of Music" é um bom exemplo disso mesmo. De certa forma, há aqui algumas semelhanças com o período final que marcou os últimos anos da década de 1960.

Esta viagem incrível tem início com a incongruência Dadaísta de "I Zimbra", em que David Byrne usou o poema 'Gadji Beri Bimba' de Hugo Ball como inspiração para a criação de um dialeto fictício. A vertente rítmica desta música é totalmente Africana. De seguida, a obra prossegue pela via enérgica de um funk urbano, de cariz pop, impulsionado pelo colorido e atento tratamento de Brian Eno, que começava então a tornar-se preponderante na distinta sonoridade dos Talking Heads, enquanto a expressiva e intensa interpretação de David Byrne conduz o registo aos limites de uma atuação teatral com fobias surreais e uma estrutura musical inventiva e muito bem delineada, dentro dos parâmetros de uma pop inteligente e pouco convencional.  

No entanto, não há realmente um estilo que possa definir "Fear Of Music" com exatidão. Consideremo-lo como um trabalho artístico, cerebral e inquietante, abstrato e abundante, de uma plenitude intelectual preciosa e venerável.  

segunda-feira, 10 de junho de 2024

In Visible Silence - THE ART OF NOISE

 

1 Opus 4 (Dudley/Jeczalik/Langan)   2:00
2 Paranoimia (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:45
3 Eye Of A Needle (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:22
4 Legs (Dudley/Jeczalik/Langan)   3:56
5 Slip Of The Tongue (Dudley/Jeczalik/Langan)   1:36
6 Backbeat (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:07
7 Instruments Of Darkness (Dudley/Jeczalik/Langan)   7:11
8 Peter Gunn (featuring Duane Eddy) (Mancini)   3:54
9 Camilla (Dudley/Jeczalik/Langan)   7:22
10 Chameleon's Dish (Dudley/Jeczalik/Langan)   4:15
11 Beatback (Dudley/Jeczalik/Langan)   1:17
12 Peter Gunn (extended version) (Mancini)   6:00

O faustoso domínio da engenharia musical é uma arte controversa e algo incompreendida. A manipulação eletrónica de sons, através de métodos de processamento maquinal que permitem reproduzir e criar sonoridades inéditas sem recorrer diretamente ao uso de instrumentos musicais convencionais, leva muitas vezes a que se questione a veracidade e legitimidade da música que não é tocada em tempo real, por músicos reais com instrumentos reais.

Os britânicos The Art Of Noise nasceram casualmente em estúdio quando, ainda agregados à equipa de produção de Trevor Horn, se começaram a aperceber da enorme potencialidade tecnológica dos novos equipamentos musicais à sua disposição - nomeadamente do Fairlight CMI Series II sampler, o primeiro sampler em formato de teclado - por volta de 1982. Esta máquina espantosa permitia que se gravasse qualquer som na sua memória, que depois podia ser usado no teclado em toda a sua extensão de notas e frequências. Nos tempos que correm, o sampler é uma das maiores bases da música atual.

Em 1986, ano de edição de 'In Visible Silence', os The Art Of Noise resumiam-se aos três elementos fulcrais da equipa de Trevor Horn; o engenheiro de som Gary Langan, o programador informático J.J. Jeczalick e a teclista e arranjadora Anne Dudley. Este é o primeiro álbum desta formação, depois da edição do trabalho de estreia dos The Art Of Noise ainda com Trevor Horn. Após um período inicial, em que o projeto se dedicava a explorar a melhor forma de aplicar e estruturar, musicalmente, os novos sons ao dispor - tendo como resultado, músicas inovadoras mas algo desconexas - a sonoridade dos The Art Of Noise revelava-se agora no primor e distinção de músicas completas, definidas e bem estruturadas.  

Defina-se 'In Visible Silence' como um trabalho plástico, maquinal, experimental e vanguardista, composto por músicas instrumentais bem quantizadas, estruturalmente encaixadas numa estética mais pop do que rock, ou não fosse esta equipa responsável por alguns dos grandes hits da música pop na primeira metade da década de 1980. Essencialmente uma obra de estúdio, fruto da criatividade intelectual de técnicos que aprenderam a dominar as máquinas e assim retirar o melhor proveito das suas possibilidades, o registo não desilude de forma nenhuma. Composto por músicas incríveis e bastante acessíveis, é um trabalho humano e orgânico criado com a inteligência e o bom gosto de quem não toca mas sabe ouvir.

É difícil resistir à textura e aos padrões melódicos que compõem a musicalidade destas peças extraordinárias, criadas cirurgicamente ao detalhe. Uma obra muito acessível e atrativa em que é possível navegar por momentos tão fantásticos como a subtil tonalidade jazz de "Eye Of A Needle", com participação de Frank Ricotti em vibrafone, o deleite absoluto da serena envolvência de "Camilla" e a aparente improvisação de "Chameleon's Dish" ou a nítida matriz experimental de "Instruments Of Darkness". Peças mais dinâmicas como "Paranoimia", "Legs" e a famosa versão para o tema original de Henry Mancini "Peter Gunn", que aqui conta com a participação de Duane Eddy, guitarrista e autor da versão mais conhecida deste tema, completam o quadro final desta obra conceitual.